Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Leandro Narloch
Descrição de chapéu inflação

Por que desprezamos as melhores armas do combate à pobreza?

Basta palestrante pronunciar termos estabilidade e aumento da produtividade para bocejos se multiplicarem na plateia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A Folha publicou na semana passada uma ótima série de reportagens sobre os caminhos para o Brasil sair da miséria.

Os números não são animadores. Mais da metade da população sofre algum tipo de insegurança alimentar; quase 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer.

A questão fica ainda mais lamentável quando se constata que o país despreza as melhores armas do combate à pobreza.

A última década mostrou que políticas como o Bolsa Família ajudam, mas não atacam a raiz do problema.

Como disse o economista Ricardo Paes de Barros em entrevista de 5 de outubro, “sem estabilidade, crescimento econômico e produtividade, não existe política social que possa fazer com que a remuneração dos trabalhadores aumente sistematicamente”.

A produtividade é o melhor exemplo de arma que deixamos de lado. Basta um palestrante pronunciar o termo para bocejos se multiplicarem na plateia.

Políticos e intelectuais que se consideram defensores radicais dos pobres raramente a mencionam; seria estranho alguém, numa passeata na Paulista, exibir o cartaz “exigimos aumento da produtividade!”.

Mas, se hoje temos ao nosso redor coisas que décadas ou séculos atrás eram reservadas a milionários, é em grande parte graças a esse fenômeno.

Em 6 de janeiro de 1937, a Folha da Manhã sorteou aos leitores uma geladeira a gás que custava 15 contos (milhões) de réis, ou 62 vezes o valor do salário mínimo que seria instituído em 1940. Hoje 98% dos brasileiros moram em casas com geladeira, segundo o IBGE.

Sorteio do jornal Folha da Manhã - Divulgação

Considere uma empregada doméstica que sonha em aprender inglês e decide ter aulas com um professor. Se o preço da aula aumentar 30%, ele sai ganhando, mas ela perde. Sem aumento da produtividade, o jogo é de soma zero: o ganho de um resulta no prejuízo do outro.

Mas se o professor encontrar outros alunos para o mesmo horário, poderá cobrar menos de cada um e ganhar mais no fim do mês. Se não houver queda da qualidade da aula, a mágica da produtividade faz um pagar menos enquanto outro ganha mais.

Por que então desprezamos algo tão importante? Talvez porque a luta contra a miséria ainda seja vista como uma luta de classes. Muita gente acredita que a pobreza existe por causa da riqueza; portanto para beneficiar os pobres seria preciso prejudicar os ricos.

Passa longe dessa visão a ideia de que o crescimento da economia e a redução da pobreza demandam bom ambiente de negócios, previsibilidade jurídica, segurança para investidores e produtividade.

Essas palavras soam como uma conversa de homens de negócio tentando encontrar formas mais eficientes de explorar a população.

Além da visão ideológica, há o problema dos grupos de pressão em busca de privilégios.

Um país costuma se tornar mais produtivo quando abre a economia ao comércio internacional, explica o economista Marcos Mendes no livro “Por que o Brasil cresce pouco?”.

Enfrentando concorrência externa, empresas nacionais são obrigadas a inovar e dinamizar processos de produção. A abertura econômica facilita o acesso a tecnologias e insumos e leva o país se especializar no que produz com mais facilidade.

Mas os grupos de pressão não deixam o Brasil abrir os portos às nações amigas. Profissionais, empresas e setores improdutivos preferem continuar assim a enfrentar concorrentes.

Pressionam o governo a manter alíquotas de importação altas o suficiente para barrar concorrentes estrangeiros. Esse protecionismo impede o aumento da produtividade e a redução da pobreza.

Pior ainda, muitas vezes o Estado prolonga a existência de atividades pouco produtivas. Semanas atrás, o deputado Kim Kataguiri propôs acabar com a proibição do autoatendimento em postos de gasolina.

É uma medida básica para aumentar a produtividade e diminuir o custo dos combustíveis. Mas Kim foi acusado por integrantes tanto do PSOL quanto do PSL de querer desempregar meio milhão de frentistas em plena crise econômica.

Ora, então não seria o caso de criar uma lei exigindo dois ou três frentistas para cada atendimento no posto? Ou proibir tratores e enxadas, obrigando agricultores a arar a terra com colheres?

Essas medidas criariam milhões de empregos –mas empregos pobres, que gerariam um custo enorme a todos e impediriam os trabalhadores de rumar a atividades mais produtivas e bem pagas.

Na última década, a população brasileira cresceu mais que a economia, enquanto a produtividade e o comércio exterior ficaram estagnados. Não à toa, foi uma década perdida para o combate à pobreza no Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.