Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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A guerra às drogas e a guerra à mineração na Amazônia

Ativistas dão força ao garimpo ilegal quando se opõem a legalizar a mineração em terras indígenas

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Ambientalistas em geral entendem os efeitos nefastos da guerra às drogas. A proibição não impede o consumo e empurra usuários e fornecedores para um mercado ilegal, onde não há preocupação com a qualidade da mercadoria. Sem um mediador neutro para resolver conflitos, as disputas se resolvem na bala, e assim quem é violento tem vantagem.

Mas é difícil fazer ambientalistas entender que uma guerra muito parecida, contra a mineração na Amazônia, está causando os mesmos efeitos. O fato da elite urbana e acadêmica do Brasil não gostar da mineração na Amazônia não resulta que a atividade não vai acontecer.

Floresta cravejada de áreas abertas para mineração
Invasão de garimpeiros em terra indígena yanomami, em 2020, em Roraima - Chico Batata/Greenpeace

Vai –mas na ilegalidade. E na ilegalidade ninguém tem a menor preocupação com o meio ambiente.

Há quase 4.500 garimpos ilegais na Amazônia, segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg). Os yanomami estimam que só em sua terra indígena, em Roraima, existam mais de 20 mil garimpeiros. Diversos rios e povos estão contaminados com o mercúrio usado nas jazidas.

A violência impera nesse mercado clandestino. Muitos índios são ameaçados para permitir a mineração, outros ganham dinheiro fazendo vista grossa. Todo mês surgem denúncias de assassinatos em conflitos com garimpeiros.

Em outubro, dois meninos yanomami foram sugados por uma draga, segundo relatos indígenas. Um garimpeiro foi morto com um tiro na cabeça durante uma operação da Polícia Federal.

Repressão que não funciona, corrupção, violência, guerras por território, crime organizado. As semelhanças com a guerra às drogas nos morros do Rio de Janeiro são impressionantes.

A mineração na Amazônia não é proibida, em teoria. A Constituição permite a atividade em terras indígenas, mas falta uma lei que a regulamente. Fora das reservas, a burocracia é tanta que só grandes empresas conseguem operar dentro da lei.

Quando os ambientalistas se opõem a facilitar a mineração legalizada, acabam dando força ao garimpo ilegal e todos os problemas que o acompanham.

Um exemplo desse tiro no pé ocorreu em 2017, quando o presidente Michel Temer tentou abrir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca). A decisão não mexeria em reservas florestais ou indígenas; mesmo assim houve uma gritaria generalizada de ambientalistas. Depois da pressão até da modelo Gisele Bündchen, Temer voltou atrás.

Resultado: o garimpo ilegal seguiu forte na Renca. Em 2019, moradores denunciaram o assassinato de um líder em meio a uma invasão de garimpeiros na Terra Indígena Waiãpi, que tem parte de suas terras na reserva mineral. Depois, porém, a PF (Polícia Federal) informou que não foram encontrados sinais de violência e que a morte ocorreu por afogamento. Também disse não ter localizado indícios de invasão por garimpeiros, conclusão que foi contestada pelos indígenas.

Legalizar não é garantia de perfeição, como vimos na tragédia de Brumadinho. Mas em geral reduz os problemas.

A empresa tem que seguir regras para recompor a floresta, pode captar dinheiro para investir em técnicas de extração mais modernas e sustentáveis, precisa responder a exigências de consumidores e fundos de investimentos.

No Território do Norte, na Austrália, 80% da mineração acontece em terras de aborígenes. Eles formaram até sua própria mineradora, a Australian Aboriginal Mining Corporation, com um investimento de US$ 45 milhões. Já o Canadá tem mais de 400 acordos de mineração com povos nativos.

Outra vantagem é que a mineração legalizada aumenta o custo de oportunidade do desmatamento. Agindo sobre uma pequena parte de um território, gera muitos empregos e renda do que quem devasta uma área inteira para criar pastos ou extrair madeira.

Muitos ambientalistas têm uma ilusão de nirvana em relação a Amazônia. Recusam-se a aceitar a opção menos pior, discordam de qualquer alternativa que não mantenha a floresta um paraíso do filme "Avatar".

Na vida real, porém, esse tipo de dogmatismo está transformando a Amazônia num inferno de boas intenções.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto deixou de informar que, em 2019, laudo apontou afogamento como provável causa da morte do líder indígena. Na ocasião, a PF disse também não ter localizado indícios de invasão por garimpeiros, conclusão que foi contestada pelos waiãpis.

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