Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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A imoralidade do exibicionismo moral

Discurso moral como estratégia de autopromoção prejudica o debate público

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O apresentador Monark, do podcast Flow, publicou na semana passada tuítes em defesa da liberdade de expressão. Deixou claro não concordar com afirmações racistas ou homofóbicas e alertou quanto aos perigos do pensamento único.

Mas o iFood, patrocinador do podcast, entendeu que Monark defendeu preconceitos, e por isso decidiu interromper o patrocínio.

Numa nota oficial, a empresa disse que "o propósito do iFood é alimentar o futuro do mundo promovendo mudanças" e "é protagonista na promoção de mudanças urgentes que favoreçam a diversidade e a inclusão".

Monark
O apresentador Monark, do podcast Flow - @flowpdc no Facebook

​Esse episódio é um exemplo preciso do que os filósofos Justin Tosi e Brandon Warmke chamam de "exibicionismo moral": a utilização do discurso moral como estratégia para se autopromover, satisfazer o desejo de reconhecimento e obter vantagens sociais.

O discurso moral é essencial às relações humanas: por meio dele jogamos luz a injustiças despercebidas, denunciamos quem se comporta mal e afinamos a definição de certo e errado.

No entanto, como afirmaram Tosi e Warmke no artigo "Moral Grandstanding", publicado em 2016 na Philosophy & Public Affairs, no ambiente público esse discurso tem desaguado numa versão tóxica e contraproducente, que serve antes de tudo a projetos de vaidade.

Não se trata de uma característica exclusiva de pessoas malignas, mas uma tendência narcisista inconsciente, bastante humana, comum a muitas crenças e a gente de todo o espectro político. Muitas vezes, dizem Tosi e Warmke, o exibicionismo se mistura a preocupações genuínas com uma causa.

Eles descrevem cinco características do comportamento:

  • 1. Ultraje excessivo. O indivíduo relata reações emocionais fortíssimas e até sensações de nojo diante do que considera uma transgressão moral.
  • 2. Acumulação. Muitas pessoas repetem as mesmas críticas sem agregar nada ao debate, na tentativa de sinalizar que pertencem ao grupo moralmente respeitável.
  • 3. Radicalização. Ocorre uma espécie de competição de quem faz a afirmação mais severa ou sugere a punição mais dura ao alvo das críticas. O atleta autor de um comentário que incomodou homossexuais começa sendo visto como antiquado –logo depois, é considerado homofóbico, fascista, bandido, criminoso, "provavelmente racista e mau caráter"; em pouco tempo o pedido de desculpas já não basta: é preciso afastá-lo, demiti-lo, processá-lo, denunciá-lo ao Ministério Público, cobrar reparações e mandá-lo para a cadeia.
  • 4. Falsificação. O exibicionista se torna mais respeitável quando é capaz de detectar injustiças que escapam ao radar dos outros. Daí a tendência de enxergar problemas morais onde eles não existem. O melhor exemplo aqui é a polêmica da linguagem neutra e das palavras do português que seriam racistas.
  • 5. Alegações de autoevidência: "Qualquer sugestão de que a questão é complexa, ou expressões de dúvida, incerteza ou discordância, são consideradas pelo exibicionista uma deficiência reveladora da falta de sensibilidade ou comprometimento moral dos outros", dizem os dois filósofos. Descrição perfeita da postura do iFood diante dos questionamentos de Monark.

É curioso como a descrição se aplica tanto a pessoas quanto a empresas. Uma função dos departamentos de marketing é justamente "buscar uma forma de admiração geral ou respeito por ‘estar do lado dos anjos’", como dizem Tosi e Warmke sobre o exibicionismo.

Assim fica fácil entender por que tantas empresas cedem facilmente à pressão ou pressionam elas próprias por demissões. Fúrias coletivas na internet são oportunidades para a empresa se exibir –é barato e lucrativo aderir à perseguição, desprezar nuances e escrever uma nota oficial cheia de contundência.

O problema é que o exibicionismo moral prejudica o próprio debate moral. Por excesso de oferta, o discurso se desvaloriza, se banaliza, perde credibilidade. Fomenta cinismo em pessoas menos comprometidas, que passam a considerar um "mimimi" até mesmo casos graves de discriminação.

Também aumenta a polarização dos grupos, pois o ultraje excessivo e a radicalização empurram os participantes do debate a posições extremas. Por esses motivos Tosi e Warmke concluem o texto com uma contradição interessante: o exibicionismo moral é imoral.

P.S.: Para quem se interessar, o artigo dos filósofos inspirou o livro "Virtuosismo Moral", publicado no Brasil pela editora Avis Rara.

Erramos: o texto foi alterado

O livro inspirado em artigo de filósofos é "Virtuosismo Moral", não "Exibicionismo Moral"
 

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