Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Putin e a bolha de bajuladores

Como outros líderes, Putin perdeu contato com realidade ao se cercar de quem só concorda com ele

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Muita gente se pergunta como Vladimir Putin pode ter errado tanto. O presidente russo subestimou o custo da guerra e, até agora, conseguiu tudo o que não queria: empurrou a Ucrânia para a Europa, tirou a Otan da sonolência, deu impulso a fornecedores concorrentes de gás natural e esculhambou a economia russa.

Uma boa explicação é a falta de feedback negativo. Cercado por assessores que não o contrariam, que evitam lhe dar más notícias ou desfazer suas previsões otimistas, Putin perdeu o contato com a realidade.

Vladimir Putin durante teleconferência, em Moscou - Andrey Gorshkov-3.mar.22/ Sputnik/AFP

Os cientistas políticos Adam E. Casey e Seva Gunitsky sustentaram essa tese num artigo recente da "Foreign Affairs". A cúpula de decisões de Putin é formada por oficiais que subiram na carreira justamente por concordar com o chefe, reforçar suas paranoias e calar dissidentes.

O presidente russo, dizem os autores, vive uma contradição típica de líderes autoritários.

De um lado, uma atitude básica de autocratas é centralizar deliberações e eliminar o vozerio das democracias –as opiniões dissonantes na imprensa, nas cortes e no parlamento.

Mas depois de ter reprimido opositores, o ditador não tem a quem ouvir. Carece da imprensa e dos políticos de oposição para avisá-lo que seus planos são contraproducentes. Perde a capacidade de separar ameaças reais das imaginárias; torna-se vítima de paranoias.

O silêncio que ele próprio estabeleceu o leva a tomar decisões estúpidas.

O biógrafo Mark Galeotti conta que Putin, até anos atrás, costumava ouvir economistas e generais menos alinhados. Mas esses conselheiros foram aos poucos deixados de lado, e assim a cúpula do presidente encolheu para quatro "yes-men".

Desses 4, 3 são ex-agentes da FSB que defendem com mais ênfase que o próprio Putin o projeto de restabelecer o prestígio russo contra o Ocidente.

A bolha de bajuladores é um problema antigo na política. "Chegar ao poder" significa levar seus amigos, as pessoas que pensam como você, para o centro da tomada de decisões. No entusiasmo do grupo vitorioso, pouca gente quer cortar o barato e abrir divergências.

É muito fácil grupos assim ingressarem num túnel de conformidade em que ideias absurdas para quem vê de fora começam a fazer sentido.

O caso de Hitler é o mais clássico e trágico dos estragos causados pela falta de feedback negativo. Não só porque o líder nazista, com a autoestima inflada por seus comandantes, acreditou que conseguiria vencer uma guerra contra boa parte do mundo.

Também pela espiral de radicalização que levou ao Holocausto. Para se mostrarem leais ao chefe e ganharem mais atenção que os colegas, conselheiros de Hitler propuseram e apoiaram ações cada vez mais violentas e radicais, como a Solução Final.

Com graus diferentes de estrago, a bolha de bajuladores é um problema organizacional comum, bastante frequente tanto na política quanto em empresas.

É uma figura conhecida o diretor de empresa que favorece quem concorda com ele, quem diz o que ele quer ouvir, enquanto despreza os estraga-prazeres que não embarcam em seus projetos.

Por isso professores de liderança não cansam de alertar quanto a necessidade de criar um ambiente de espontaneidade em que a discordância é respeitada e apreciada.

Bons líderes precisam deixar claro que, ao contrário do governo de Vladimir Putin, ninguém vai ganhar recompensas só por concordar com o chefe.

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