Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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A escola deve ensinar empatia?

Com raízes evolutivas, empatia surge em humanos muito antes da escolarização

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De todos os clichês da pedagogia, o mais frequente deve ser "o papel da escola não é só ensinar, mas formar cidadãos". Difícil achar um coordenador de escola particular que não repita com ar de originalidade que sua instituição "forma pessoas conscientes, críticas e com potencial de transformação da sociedade".

Nessa linha, a colunista Laura Mattos perguntou semanas atrás: "Você acha mais importante a escola dar aula de matemática ou de empatia?". Para ela, a resposta é empatia.

Crianças estudando - Adobe Stock

Mas, como muita gente comentou nas redes sociais, a primeira opção é a resposta óbvia.

Não só porque estudantes pobres precisam desesperadamente aprender o básico de matemática para ter alguma chance de ascensão social.

E não só porque é preciso se concentrar em conseguir educar o básico antes de partir para objetivos mais ousados. Mas também porque não temos certeza se é necessário ou possível ensinar empatia.

A tentativa de formar cidadãos se baseia no que o primatologista Frans de Waal chama de "teoria do verniz". É a ideia de que os instintos humanos são essencialmente egoístas, violentos, amorais ou imorais, e que a moralidade e a cultura formam uma fina camada de verniz a conter essa natureza selvagem.

Nessa visão, a civilização só foi possível depois que conseguiu impor um controle sobre as forças da nossa natureza.

Na verdade, como se sabe desde 1971, quando o psicólogo Robert Trivers publicou o estudo "A evolução do altruísmo recíproco", a compaixão e a empatia surgiram na psicologia humana porque foram vantagens evolutivas.

Num ambiente de cooperação recíproca, a pessoa que sente a dor dos outros tem mais motivação para ajudá-los –e, assim, mais chance de receber ajuda no futuro.

Se o leitor vê um bebê se afogando numa piscina, vai salvá-lo imediatamente. Faz isso porque tem uma tendência natural à compaixão e à empatia, e não porque estudou num colégio que "o formou cidadão".

Em vez da camada de verniz, De Waal prefere a metáfora das bonecas russas: há predisposição à violência, à empatia e à adoção de regras morais em diversas camadas da nossa natureza.

O comportamento empático aparece em humanos muito antes da escolarização. Pesquisadores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva provaram isso com uma série de experimentos bastante divertidos.

Em um deles, uma criança de apenas 14 meses vê um homem que carrega livros se bater contra um armário, sem conseguir abri-lo. Diante da cena, a criança se levanta e abre o armário para ajudá-lo.

Em outro experimento, ao perceber que um adulto não consegue alcançar uma caneta, a criança pega o objeto e entrega ao pesquisador. Ensinar crianças assim a ter empatia é como ensinar passarinho a voar.

É verdade que a aceitação social da empatia muda conforme o ambiente. Mas é difícil saber se a escolarização é capaz de fixar esse comportamento: ele deve variar conforme contextos bastante específicos durante a vida.

Outra evidência de que a empatia tem raízes evolutivas é que nos afligimos mais com pessoas próximas em problemas concretos do que com sofrimentos dispersos ou distantes, ainda que mais graves.

Sob influência desse viés, um juiz manda o governo pagar um tratamento de milhões de reais para uma única criança, ignorando que sua decisão pode resultar em falta de verba para hospitais e farmácias populares atenderem milhares de pessoas.

Como diz o psicólogo Paul Bloom em "Against Empathy", nem sempre a decisão mais empática é a moralmente correta.

Uma compaixão racional precisa calcular custos e benefícios com um pouco mais de frieza. Ou seja: precisa de matemática.

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