Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Famosos como Juliette deveriam pedir desculpas por pedir tantas desculpas

Clamar por perdão só serve para a celebridade posar como uma pessoa pura e moralmente refinada

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"Todo homem que diz franca e plenamente o que pensa está prestando um grande serviço. Devemos ser gratos a ele por atacar impiedosamente nossas opiniões mais queridas."

John Stuart Mill acreditava que a maior ameaça à liberdade de expressão não vem do governo, mas da pressão das maiorias que atacam a reputação e isolam os não-conformistas.

Por isso o filósofo considerava nobre quem tinha a coragem de discordar da maioria e arcar com os custos de opiniões impopulares. Dissidentes seriam essenciais porque, para Mill, só ouvindo argumentos do outro lado podemos formar uma opinião embasada.

A ex-BBB Juliette Freire - Reprodução/Globoplay

Se o ato de discordar é nobre e corajoso, qual seria o seu contrário? O contrário é o que fez a ex-BBB Juliette esta semana.

Juliette se desculpou no Twitter por ter usado o termo "japinha" durante uma conversa. "Entendi, logo em seguida, que essa expressão machuca pessoas. Isso não acontecerá jamais. Perdão."

A ex-BBB se juntou assim às dúzias de celebridades que pedem desculpas após o menor solavanco. Basta um pré-adolescente azedo dizer que se sentiu ofendido com um corte de cabelo, uma palavra, uma piada e lá vai o famoso correr clamar por clemência.

Ana Maria Braga pediu desculpas por ter usado o termo "inveja branca", que alguns paranoicos consideram racista. Será que ela também vai se arrepender por dizer "sorriso amarelo" ou "esqueci, me deu um branco"?

Bruna Marquezine se fantasiou de enfermeira, atraindo a sanha problematizadora do Conselho Regional de Enfermagem. Pediu desculpas e disse que o episódio foi uma "oportunidade de aprendizado e transformação".

Bruna Marquezine vestida de enfermeira no Halloween
Bruna Marquezine vestida de enfermeira no Halloween - Reprodução

Não sei o leitor, mas eu não consigo acreditar na honestidade dessas declarações.

Imagino que, privadamente, o pensamento das celebridades é mais ou menos assim: "isso é uma bobagem de gente chata da internet. É tão irrelevante que nem quero entrar na discussão, prefiro tomar a atitude que menos afeta o meu bolso, ou seja, pedir perdão".

As declarações significam tudo, menos desculpas. São uma oportunidade para a celebridade dar uma de santarrona, posar como uma pessoa com senso moral elevado e refinado, comprometida com os valores da moda, consumidora do que o psicólogo Rob Henderson chama de "ideias luxuosas" de nossa época.

Perguntei à minha mulher, de aparência inequivocamente nipônica, se via algum problema quando a chamavam de "japinha". Ela me olhou com cara de divórcio e respondeu: "que bobagem é essa agora? Vai lavar a louça e para de me fazer pergunta besta".

Depois disso passei a suspeitar que o pedido de desculpas talvez seja mais ofensivo que a palavra em si.

Revela "patronizing", o costume de tratar os outros de forma condescendente, como crianças ou incapazes. Reforça a ideia de que as pessoas seriam fracas, frágeis o suficiente para se "machucar" até mesmo com menções carinhosas ou neutras a traços físicos.

Se Mill está certo e os não-conformistas prestam um serviço, então os conformistas, aqueles que aceitam sem pensar, que pedem desculpas por ações que não consideram erradas, que só levam em conta o benefício de repetir frases bonitas, prestam um desserviço.

Eis aí um bom motivo para pedidos de desculpas.

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