Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Descrição de chapéu Páscoa

Ovo de Páscoa de R$ 5.950 torna o mundo um lugar melhor

Quem gasta o próprio dinheiro com artigos de luxo favorece uma cadeia produtiva mais qualificada e bem paga

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R$ 5.950: uma confeitaria do shopping Cidade Jardim vende um ovo de Páscoa por R$ 5.950.

O colega Marcos Nogueira, do blog Cozinha Bruta, achou o tal ovo de 12 quilos um absurdo e expressou aqui na Folha toda sua indignação.

"É a elite jeca em seu universo paralelo perdulário, ostentativo, excludente e cafona. Da completa falta de sensibilidade ou qualquer vestígio de interesse pelo mundo lá fora."

Ovo de Páscoa pintado de dourado com desenho de flor
Ovo de Páscoa da confeiteira Isabella Suplicy, vendido a R$ 5.950 - Reprodução

O ovo de chocolate seria "aviltante" ainda mais considerando que "24% da população brasileira não têm comida suficiente em casa."

Meu passado de hippie da faculdade de humanas me faz concordar que luxo muitas vezes caminha bem perto da cafonice. Ainda não consigo evitar um leve preconceito até mesmo com quem sai por aí vestindo a camisa polo do jacaré.

Mas discordo que gastar com luxo seja excludente ou aviltante.

As críticas contra artigos caríssimos parecem subentender que o dinheiro, depois de gasto, desaparece. Daí a ideia de desperdício justamente enquanto tantos passam fome.

Mas o dinheiro não desaparece. Do bolso do consumidor, ele se espalha entre vendedores, confeiteiros, produtores de ingredientes selecionados, assistentes de cozinha, gerentes de redes sociais, escolas de confeitaria e seus professores.

A confeitaria de Isabela Suplicy gera relativamente mais empregos –e empregos mais bem pagos– do que as marcas de chocolate popular. Quem gasta fortunas com ela, e não com a Lacta ou a Garoto, fortalece uma cadeia produtiva mais qualificada e remunerada.

O luxo, na verdade, é um modo de convencer os ricos a desconcentrar voluntariamente seu patrimônio.

"Em vez de pagar R$ 600 por um ovo de 12 quilos, que tal se você me der R$ 5 mil?" Quem se preocupa com a desigualdade deveria ver com bons olhos quando milionários pagam R$ 200 no que gente comum compra por R$ 20.

Outra reação moralista comum é defender mais impostos para artigos de luxo.

Mas como Gregor Mankiw ensina em "Introdução à Economia", um dos livros didáticos mais utilizados no mundo por estudantes da área, taxar jatinhos e iates muitas vezes prejudica a parte menos elástica do negócio: os vendedores e trabalhadores.

Se o preço aumenta demais, o magnata pode simplesmente deixar de comprar o iate. Já o vendedor e o fabricante não têm essa opção: precisam vender. Quando baixam o preço para manter as vendas, a maior parte do custo das taxas cai sobre eles, não sobre os compradores.

Outra vantagem do mercado de luxo é que ele dá força a mercados incipientes que aos poucos se popularizam. Não é excludente: pelo contrário, ajuda a tornar o mercado mais inclusivo.

O melhor exemplo é o telefone celular, um artigo de luxo durante a minha adolescência.

Na novela "Pedra sobre Pedra", de 1992, celular era coisa de pessoas que gastam R$ 5 mil em ovos de Páscoa. A madame Rosemary chegava de helicóptero à cidade de Resplendor esnobando um celular e reclamando que o tijolão não tinha sinal.

Ainda me lembro, dos meus tempos meio hippie e meio de esquerda, de achar esnobe quem tinha a audácia de ostentar o celular nos corredores da faculdade. Mas esses primeiros esnobes ajudaram a financiar o mercado. Hoje, há mais linhas de celular no Brasil que brasileiros.

Assim como o celular, quase tudo o que o leitor tem a seu redor percorreu o caminho do luxo à popularização: janelas com cortinas, chá, café, iluminação artificial, objetos de vidro, geladeira, banheiro no interior da residência, computadores.

Claro que as vantagens do luxo não eximem as pessoas de contradições. Se a pessoa se considera anticapitalista, não é coerente posar para uma campanha da Prada.

Também soa um pouquinho contraditório o ex-presidente participar do evento de comemoração do Partido Comunista do Brasil usando um relógio de R$ 70 mil.

Mas daí o problema é da coerência, e não do ovo de Páscoa de R$ 5.950.

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