Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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A democracia está sob ataque, mas não do jeito que você está pensando

Duas forças antidemocráticas sobre as quais pouco se comenta

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Muita gente tem afirmado que a democracia está sob ataque, que Bolsonaro está perto de dar um golpe (se é que já não deu, se é que ele não "é o próprio golpe", como defendem alguns) e por isso é urgente defender as instituições.

Outros preveem que bolsonaristas, depois da eleição, tentarão uma fanfarronice similar à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Manifestantes fazem protesto em defesa da democracia na esplanada dos ministérios - Pedro Ladeira - 7.jun.20/Folhapress

Não sei o que se passa na cabeça desse presidente: se ele vai dar um golpe eu não tenho a menor a ideia.

E se a ameaça à democracia significar uma dúzia de malucos vestindo capacetes com chifres tentando invadir o Congresso, para desistir assim que a polícia chegar, pelo menos o mal é identificável e controlável (e merecedor de boas piadas).

Mas há forças antidemocráticas mais poderosas, que corroem nossa democracia aos poucos e causam danos mais profundos que um ou outro mandatário. Dispersas, elas são mais difíceis de serem identificadas ou combatidas. Não rendem manifestos ou cartas de repúdio.

Uma delas é o "rent-seeking", a pressão política de minorias em buscas de privilégios.

Como grupos pequenos e homogêneos se organizam com mais facilidade, conseguem com frequência impor seus interesses contra a vontade de grupos maiores com interesses difusos.

Por exemplo, a maior parte dos brasileiros deve ser a favor de menos alíquotas de importação, mais concorrência no setor de ônibus interestaduais, avaliação de desempenho de professores de escolas públicas e fim de privilégios da elite do funcionalismo.

Mas os grupos de pressão dessas áreas são mais organizados. Emplacam medidas contrárias à vontade da maioria: mais taxas de importação (para o fabricante nacional continuar vendendo produtos ruins e caros por aqui), barreiras a startups de fretamento de ônibus, avaliações de desempenho de mentirinha nas escolas públicas e manutenção dos penduricalhos no salário de funcionários públicos.

Ao atender privilégios de tantos grupos, a democracia se transforma no seu oposto: o sistema de governo de minorias organizadas. Resulta no "capitalismo de compadres", um motor de desigualdade. O poder não "emana do povo", mas de quem tem mais amigos em Brasília.

Outra força que vem minando a legitimidade da nossa democracia é a pressão para tirar decisões das mãos dos eleitores e transmiti-las às cortes.

Como observa o diplomata Gustavo Maultasch em "Contra Toda Censura" (um espetáculo de livro lançado dias atrás) esse fenômeno ocorre principalmente quando a elite urbana e escolarizada tem preferências diferentes da maioria dos eleitores.

É o caso de aborto, porte de armas e maioridade penal. Nesses temas, a elite "democrática" tenta mover a instância decisória para o Judiciário. A vontade popular de repente é estigmatizada, perde a importância. E muitos acham superdemocrático o STF se atribuir o papel de legislador.

Às 23h59 o ativista assina a carta em defesa da democracia; à 0h pede ao STF derrubar decisões legais tomadas por representantes do povo.

Às 23h59 o democrata defende a independência e a harmonia dos poderes; à 0h concorda com a decisão de Fachin de suspender a isenção de impostos de importação de armas (apesar de pertencer ao Executivo a decisão sobre alíquotas de importação).

É difícil acreditar que essas duas forças antidemocráticas vão arrefecer nos próximos anos. Com o autor de "rachadinhas" ou com o líder do petrolão, nossa democracia ainda vai precisar de muitos outros manifestos em sua defesa.

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