Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Cocaína fiscal

Aprovação da PEC Kamikaze e derrubada do veto às leis de incentivo à cultura confirmam uma célebre teoria política

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Poucas teorias explicam tão bem o Brasil quanto a dos Ciclos Político-Econômicos, que o economista William Nordhaus, Nobel de Economia de 2018, apresentou em 1975.

A tradição econômica recomenda que, em momentos de crise, os bancos centrais relaxem a política monetária e o governo aumente os gastos. Já quando a economia está pegando fogo, os dois deveriam fechar a torneira.

Nordhaus, no entanto, afirmou que os políticos obedecem a outro calendário, o eleitoral. Meses antes da eleição, diminuem impostos, aumentam despesas e pressionam o BC para imprimir dinheiro.

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Cédulas de real - Gabriel Cabral/Folhapress

Essas medidas funcionam como cocaína na balada: a festa se anima, as pessoas se sentem poderosas. A economia cresce, o desemprego diminui: nas semanas em que os cidadãos vão às urnas, uma sensação de prosperidade paira sobre o país.

Mas depois da festa vem a ressaca. O governo corta gastos, aumenta impostos, o BC eleva a taxa de juros para combater a inflação.

Por essas e outras tantos países criaram âncoras fiscais e bancos centrais independentes. Precisavam libertar a política econômica dos interesses privados de quem tenta se reeleger. Nem sempre dá certo.

No Brasil dos últimos anos, a pandemia embaralhou o ciclo político-econômico. A inflação subiu no momento errado; a quarentena obrigou o governo Bolsonaro a abrir a torneira de gastos públicos no começo do mandato (quando, do ponto de vista político, deveria fechá-la).

Mas isso não o impediu de gastar ainda mais no ano de eleição. Enquanto o BC aumenta os juros, Bolsonaro pressiona o Congresso para aprovar uma PEC que permitirá gastar mais de R$ 40 bilhões para bombar o Auxílio Brasil, o Auxílio Gás e distribuir dinheiro entre caminhoneiros e taxistas.

Não é exagero chamar o projeto de PEC Kamikaze. Ele espalha diversas ervas daninhas no nosso futuro, pois abre mais um precedente contra nossas âncoras fiscais (a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos). Mas poucos parlamentares têm coragem de, em ano eleitoral, votar contra ele.

Pior: o Congresso ainda derrubou o veto às leis de incentivo à cultura, a um custo de mais de R$ 6,8 bilhões (que políticos locais teoricamente distribuirão a produções culturais). Uma amostra de que o Legislativo também segue o Ciclo Político-Econômico.

Eis o nosso impasse. Para a economia crescer e a pobreza diminuir, precisamos de um Estado que pese menos sobre os ombros dos brasileiros. Mas os políticos, responsáveis por nos livrar desse peso, não conseguem largar a compulsão pelo gasto público e dar início à dieta.

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas refletem sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil

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