Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Por que Doria mudou de posição sobre a inspeção veicular

Em dezembro, tucano disse que vetaria lei de controle das emissões 

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São Paulo
Funcionário da Controlar faz inspeção veicular em carro no pátio da empresa, em São Paulo
Funcionário da Controlar faz inspeção veicular em carro no pátio da empresa, em São Paulo - Joel Silva/Folhapress

Quando candidato, o prefeito João Dória disse que iria retomar a inspeção veicular ambiental, criada durante a administração Kassab (2006-2012) e suspensa na gestão Haddad (2013-2016). Ao ser eleito em primeiro turno, o candidato tucano ganhou um mandato forte para implantar seu programa cheio de medidas ousadas, como privatizações, aumento do limite de velocidade nas Marginais, congelamento da tarifa de ônibus e a inspeção de poluentes.

Quando a oposição propõe fazer plebiscitos sobre os projetos de venda ou concessão de bens públicos para a iniciativa privada, Dória justificadamente lembra que as ideias foram defendidas na campanha e que sua votação inédita é o atestado de apoio da maioria dos paulistanos ao plano de governo.

Foi por isso surpreendente que o mesmo João, apenas um ano depois, já sentado na cadeira de prefeito, tenha dito em dezembro que iria vetar a lei, aprovada na Câmara Municipal, que prevê a volta do controle das emissões de gases dos automóveis da capital. Causa mais espécie o fato do atual alcaide ter citado como razão do veto exatamente o último argumento que o ex-prefeito Fernando Haddad, derrotado nas urnas, usou para justificar o abandono do programa de controle de poluição dos veículos.

Haddad disparou várias críticas ao projeto, diferentes e contraditórias, desde a campanha de 2012. No fim do mandato, dizia que a inspeção fez com que muitos proprietários de veículos em São Paulo passassem a registrar seus carros em cidades vizinhas, para escapar do custo da inspeção, em torno de R$ 60, o que reduziu a arrecadação da cidade com o IPVA (50% do tributo é repassado pelo Estado para o município onde o carro é matriculado). Dizia também que, depois que ele suspendeu o exame, os emplacamentos voltaram à capital.

Haddad apresentava gráficos de registros de carros novos ao longo dos anos de inspeção que sugeriam realmente esse movimento. Dizia então que o controle deveria ser implantado em todo o Estado, pelo governador, para evitar a fuga.

O argumento é bastante frágil: a curva de queda dos emplacamentos apontada pelo então prefeito começava antes da inspeção (quando a administração Kassab reembolsava o seu custo); e o crescimento voltou a subir também antes de Haddad extinguir a inspeção. Além disso, registrar um carro fora do domicílio do proprietário impõe ônus e riscos (é uma ilegalidade) que parecem ser maiores do que o alívio da taxa de inspeção. No mínimo, o gráfico tem que ser mais bem estudado para explicar a incongruência.

A cidade de São Paulo é a maior do Brasil e tem a maior frota de carros, que produz a maior poluição veicular do país, uma das maiores do mundo. Por isso mesmo, o Código de Trânsito Brasileiro garante à capital status semelhante ao dos Estados, podendo implantar medidas que outras cidades não podem, como o controle de poluição. Furtar-se a fazê-lo, passando o pepino para o Estado, é abdicar do poder de controlar a qualidade do ar que respiram os seus cidadãos. Deixar a decisão nas mãos do governador, preocupado ao mesmo tempo com o eleitor da Avenida Paulista e o de pequenos municípios do interior, significa, na prática, não ter a inspeção.

A realidade diferente de metrópoles e cidades pequenas é uma das questões mais importantes da administração pública em todo o planeta. Há um progressivo empoderamento das grandes aglomerações, por concentrarem em pouco espaço a maior parte da população, da economia e dos problemas das nações.

Uma aliança das 40 maiores cidades do mundo foi criada há pouco mais de 10 anos exatamente porque a poluição do planeta é predominantemente gerada nelas. Várias medidas estão sendo adotadas por elas, independentemente dos governos regionais ou nacionais em que estão incluídas. Haddad adorou participar desse seleto time de alcaides, mas tropeçou numa medida típica do chamado C40.

Se por hipótese o movimento de fuga de arrecadação for verdadeiro, basta a cidade fiscalizar os veículos que circulam e trabalham na cidade com placas de fora (isso que Dória está fazendo com os carros que operam para os aplicativos tipo Uber e 99). A lei proíbe que um morador de São Paulo tenha seu carro registrado em outro município, mas seja usado prioritariamente na capital. O mesmo vale para Estados diferentes. O governo estadual fez uma grande blitz durante a gestão Serra (2007-2010), contra carros emplacados em outros Estados e usados em SP, e alcançou um imediato aumento de arrecadação do IPVA.

As pesquisas na época da eleição de Haddad e de Dória mostravam que a maioria dos paulistanos quer o controle da poluição, contra uma resistência concentrada em donos de automóveis (minoria, embora com maior poder aquisitivo). Por isso Haddad disse que manteria a inspeção mas ressarciria os proprietários e alteraria os prazos (depois da posse mudou de posição); e Dória prometeu criar um novo programa.

Se o atual prefeito discorda da forma como a Câmara definiu a inspeção, em dezembro, deve enviar logo um novo projeto ao Legislativo. Mas simplesmente recusar-se a implantar aquilo que defendeu na campanha é faltar à palavra de campanha, como fez Haddad em seu mandato.

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