Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Leão Serva

São Paulo inaugura em Parelheiros mais um hospital municipal desnecessário 

Saúde pública estaria melhor se prefeitura e estado tivessem melhorado unidades na região

O prefeito João Doria (PSDB) inaugurou na semana passada o Hospital de Parelheiros, concluindo uma obra iniciada pela administração anterior, de Fernando Haddad (PT), e prometida pelo antecessor, Gilberto Kassab (PSD).

É bom ver os administradores municipais preocupados com a saúde pública. É legal também observar como grandes realizações só ganham corpo quando sucessivas gestões dão continuidade às anteriores, como em uma corrida de revezamento em que o bastão vai sendo conduzido por um eleito após o outro, independentemente da cor partidária.

Feitos esses elogios necessários, deixo aos próprios políticos a incumbência de bater os bumbos positivos, o que eles farão, aproveitando a proximidade da campanha eleitoral. E me concentro no lado negativo da obra.

Chamo atenção para o fato de que o hospital de Parelheiros é uma obra equivocada, que desperdiça dinheiro público, criada por pressão de uma longa lista de agentes, começando pelos movimentos de moradores, lideranças políticas locais, sucessivos administradores municipais, ONGs que alegam falar em nome da “nossa São Paulo”, empreiteiros de obras públicas e até a imprensa, que há anos cobra a inauguração do hospital em vez de mostrar à opinião pública a irracionalidade coletiva ali representada.

A saúde pública estaria muito mais bem cuidada se, com menos dinheiro do contribuinte, a prefeitura e o estado tivessem melhorado as unidades existentes anteriormente na região, como o pronto-socorro de Parelheiros (municipal) e o Hospital do Grajaú (estadual), diversas AMAs e UBS.

Um exemplo do que deveria ter sido feito ali e na cidade como um todo antes de decidir imobilizar milhões em novos prédios é a melhora da produtividade: o tempo médio de internação dos pacientes nos hospitais do SUS em São Paulo é de 7 dias; na rede privada (que o senso comum diria ter interesse em manter os pacientes por mais tempo), esse número gira em torno da metade. No mundo todo há uma tendência em reduzir a permanência de pacientes nos hospitais para diminuir contaminação e doenças colaterais.

Em outras palavras, caso a média de tempo de internação nos hospitais públicos paulistanos fosse semelhante à da rede privada, imediatamente dobraríamos a disponibilidade de leitos. Se em vez de pensar como construtores de obras os nossos gestores raciocinassem como zeladores, investiriam em manutenção e qualidade dos serviços e não em construções.

Na semana passada, o ex-prefeito Fernando Haddad disse à coluna que a construção do novo hospital de Parelheiros se justificava, entre outros argumentos, pela superlotação do hospital do Grajaú. A rede municipal trabalha com uma ocupação média de 70% dos leitos. O Grajaú tem operado com cerca de 90%, o que de fato é mais do que a média da cidade. No entanto, se o esforço da administração fosse concentrado em melhorar o cuidado dos pacientes, reduzindo o tempo de permanência dentro do hospital, o Grajaú teria maior disponibilidade de atendimento, como de resto toda a rede pública de saúde na Grande São Paulo.

O mais grave é pensar que o mesmo erro vai se repetir ainda outras vezes na cidade: há pelo menos dois outros hospitais prometidos por Kassab e sempre cobrados, um deles em avançado estado de gestação desde a administração Haddad, na Brasilândia, zona norte. Haddad foi cobrado por não entregá-lo e, ao final da administração, explicou que a obra foi adiada porque o local escolhido foi cedido para a realização de obras do Metrô. Melhor teria sido se fosse cancelada e o dinheiro gasto em melhorar as estruturas existentes.

Como acontece com o transporte coletivo municipal, cuja ineficiência gera reivindicação de mais linhas e veículos (entupindo os corredores de ônibus vazios), o problema da saúde pública paulistana não é carência de leitos e unidades. Só a mentalidade estatizante de alguns políticos e de sindicalistas da área médica é que alega que faltam equipamentos na cidade.

Em São Paulo há muitos leitos hospitalares. Abundam também os defeitos: há baixa qualidade de atendimento em muitas unidades (públicas ou privadas), principalmente de emergência; a produtividade dos servidores públicos da área médica é baixa, o que faz os usuários pedirem mais unidades, em vez de serviço mais eficiente; há mais oferta nas áreas centrais que nas periferias; ocorre sobreposição de atribuições entre unidades de saúde (o que resulta em ociosidade em certas áreas e superlotação em outras) e uma falta sistêmica de comunicação entre as unidades sobre necessidades de exames ou atendimentos feitos aos cidadãos (em pleno século 21, as AMAs paulistanas não estão conectadas às UBS, frequentemente vizinhas).

Além disso, há uma crônica deficiência no sistema de logística de ambulâncias, de emergências (que vão buscar pacientes em casa ou locais de acidentes) e de transportes de pacientes entre hospitais de especialidades. Com isso, torna-se muito difícil levar portadores de casos específicos para as unidades especializadas que, em um cenário eficiente, deveriam recebê-los.

Tome como exemplo um problema cardíaco: ele por definição deve ter atendimento rápido. Mas por ser um caso específico (que costuma ocorrer à razão de 8 casos em 100 mil pessoas), o correto é que procedimentos cirúrgicos e internações devam ser feitos em unidades cardiológicas centralizadas (como o Incor, no caso de São Paulo). Mas se o sistema de atendimento de emergência demora em identificar o problema cardíaco ou a logística tarda em levar o paciente à avenida Dr. Arnaldo, ele correrá risco de vida. Diante dessa ineficiência, o cidadão naturalmente reivindica uma unidade cardiológica em seu distrito. O que, no entanto, não é solução, nem economicamente viável.

Um hospital custa a cada ano quase o total necessário para sua construção. O de Parelheiros custou, para estar parcialmente pronto como foi inaugurado na semana passada, pouco menos de R$ 200 milhões. Ele custará cerca de R$ 150 milhões por ano. Toda a rede pública existente segue custando o que sempre custou. Ou seja, cada unidade nova aumenta os custos fixos da rede, sem garantir melhoria dos serviços existentes.

Cada hospital que os políticos constroem em resposta à insatisfação pública com o atendimento é uma ameaça a mais à qualidade das unidades existentes, sem garantir que o novo equipamento não se degrade em curto prazo por falta de recursos. Por isso, uma nova unidade contribui para um ciclo negativo em todas as outras existentes, uma vez que a arrecadação municipal não cresce conforme o número de hospitais que o poder público constrói (o que por sua vez é menos do que o povo e os políticos reivindicam).

A solução é melhorar o atendimento existente e isso envolve investimentos em manutenção e logística, melhorar as parcerias com unidades já existentes e a qualidade do atendimento na rede pública, incluindo a produtividade.

Mas, para tanto, é preciso começar mudando a mentalidade empreiteira de nossos políticos, o que parece cada vez mais difícil.

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