Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Lorca em público

Escultura de Flávio de Carvalho (1899-1973)
Escultura de Flávio de Carvalho (1899-1973) - Danilo Verpa/Folhapress

Foi no ano louco de 1968, há meio século, que o arquiteto e multiartista Flávio de Carvalho inaugurou o monumento em homenagem a Federico García Lorca (1898-1936), poeta assassinado na Guerra Civil Espanhola. Feito com pesados tubos e placas de metal, impressiona pela leveza: um estandarte vermelho e preto mimetiza movimento, como se bamboleasse suavemente ao vento.

A obra está assentada na praça das Guianas, uma quadra ajardinada no Jardim América, junto à avenida Nove de Julho.

Está, é bem verdade, não todo esse tempo: durante o regime militar, trogloditas de extrema-direita (bem representados pela sigla CCC) vandalizaram o monumento.

As autoridades da época acharam por bem tirar a obra do espaço público. Foi levado a um depósito de monumentos da prefeitura, onde deveria ser esquecido.

Até que um grupo de ousados alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP decidiu devolvê-lo à cidade. A cena teve detalhes de filme de aventura. Aqui eu resumo: os jovens descobriram o depósito, fraudaram documentos, pegaram uma camionete e foram ao lugar, onde apresentaram a requisição falsa e abduziram o monumento. Numa sala da FAU, recuperaram-no.

Em uma madrugada do início de 1979, em plena ditadura, foram ao Masp e chumbaram a base da escultura entre os paralelepípedos do vão livre do museu.

Quando o diretor Pietro Maria Bardi chegou ao trabalho, quase morreu de susto. Ele sabia reconhecer a obra e o risco político que ela significava; disse que o local não era apropriado para um monumento e passou a batata modernista, ainda quente, para a prefeitura. O prefeito Olavo Setúbal topou a parada e mandou devolvê-la à praça.

Não parece história de cinema? Pois entre seus criadores estavam três jovens que iriam se tornar cineastas: Fernando Meirelles, de “Cidade de Deus”, Marcelo Machado, diretor de TV e publicidade, e Carlos Nascimbeni, roteirista. E o roteiro saiu exatamente como desejado: nem direita e nem esquerda nunca mais atacaram a obra. Ela está ali, para nos fazer lembrar que os ódios políticos passam e que a sabedoria da cidade se impõe com o passar do tempo.

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