Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Na crise dos fósseis, as bicicletas brilharam

Enquanto os carro-dependentes ficavam imobilizados, as bikes viviam momento luminoso

Na hora da crise, até os fósseis viram como as bicicletas são úteis para a mobilidade urbana. Enquanto os carro-dependentes ficam imobilizados pela paralisação de empresas e transportadores autônomos, as bikes vivem seu momento luminoso, circulando livremente: as ciclovias tiveram nos últimos dias um grande aumento de usuários. A Faria Lima tinha trechos congestionados no horário de pico da manhã de terça (29). As compartilhadas do Itaú bateram recorde de retiradas, em todo o país, ao oferecer o aluguel por R$ 0,10/hora, como resposta à greve. ​

Recentemente renovadas, as bikes compartilhadas das grandes capitais já vinham ganhando usuários nas semanas anteriores; em São Paulo, vinham operando com o dobro de clientes de um ano atrás. A crise coincidiu com a divulgação das novas regras para o uso do sistema, agora pago, mas com o preço promocional, e totalmente integrado ao Bilhete Único. Diante da falta de combustível, para muitos pedalar foi a solução.

Em época de caminhões parando estradas, duas pesquisas econômicas foram divulgadas mostrando que as bikes fazem bem para o corpo e também para o bolso (inclusive do Tesouro público). Os estudos foram patrocinados pelo banco.

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No dia 10/5, saiu “Impacto Social do Uso da Bicicleta em São Paulo”, feito pelo Cebrap, que procurou dimensionar o efeito da mobilidade ativa sobre o meio-ambiente, a saúde e a economia das pessoas e do município. O trabalho incluiu entrevistas quantitativas com a população e qualitativas com usuários de bicicletas. ​

O estudo mostra que aqueles que pedalam têm uma avaliação mais positiva de seu deslocamento, enquanto emitem 3% menos poluição. Ao mesmo tempo, por serem mais ativos, apresentam menos problemas de saúde, com benefício para os gastos com saúde. O Cebrap calcula a economia que o uso de bicicleta traz para cada classe social e projeta quanto ele pode reduzir os custos municipais com transportes públicos e congestionamentos. 

O outro levantamento focou o cenário nacional: “A Economia da Bicicleta no Brasil” foi feito pelo LabMob (Laboratório de Mobilidade Sustentável) e pela Aliança Bike. ​Ele analisa a cadeia produtiva, da exportação e importação de peças e bicicletas inteiras; o volume de investimentos públicos em infraestrutura; e o impacto do uso desse modo de transporte sobre diversos segmentos da economia. Segundo o levantamento, divulgado na última sexta-feira (29), o Brasil produz ou importa 5,5 milhões de bicicletas, o setor gira cerca de R$ 1 bilhão e paga salários de R$ 384 milhões/ano. ​

O Labmob estimou uma série de novos setores econômicos ligados à bicicleta, como o cicloativismo, os núcleos de estudos acadêmicos, ciclo-turismo, eventos esportivos e os negócios envolvidos no chamado “cicloempreendedorismo”.

Ao final, o trabalho destaca um estudo de caso no bairro do Bom Retiro, na região central de SP, onde empresas passaram a realizar entregas locais de bicicleta, com vantagens econômicas sobre outras soluções de transporte.

No final de semana, quando os carros paravam, aconteceu um evento para discussão de soluções tecnológicas criativas para registrar as viagens de bike na cidade. O objetivo foi reunir programadores para, usando dados e equipamentos disponíveis no poder público, bolar o sistema que permita às pessoas que pedalam receberem subsídios semelhantes aos que a Prefeitura paga aos usuários de ônibus. Denominado ​Hack’n Bike, o evento foi organizado pela incubadora Cidade Viva e pelo do vereador Police Neto (PSD), autor da lei que precisa de solução tecnológica para creditar o benefício aos ciclistas. Os três grupos ganhadores receberam valores em dinheiro e um período de apoio (“incubação”) para o desenvolvimento das aplicações propostas. ​​

O ciclo virtuoso culminou com o início de semana ensolarado, em que as ciclovias ficaram mais cheias do que nunca antes. Se quem, forçado pela crise, pedalou e aprovou a experiência voltar a circular de bicicleta mais vezes por semana, os caminhoneiros terão provocado ao menos um efeito positivo para o resto da sociedade.  

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