Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Leão Serva

A tragédia acontecida neste 1º de Maio em um prédio ocupado irregularmente no centro de São Paulo é uma imagem perfeita de diversos problemas que envolvem a questão da habitação em São Paulo. Tais como: a escandalosa demora em reduzir o déficit habitacional, a falta de investimentos públicos e privados, a ausência completa da fiscalização dos órgãos de segurança (saúde, bombeiros, prefeitura), a demagogia de políticos interessados nos votos e nas contribuições eleitorais dos movimentos de sem-teto e a esperteza de líderes com-teto dessas entidades, entre outros muitos problemas.

O mais chocante certamente é o fato de que movimentos de sem-teto (não todos, mas muitos) operam como imobiliárias em imóveis alheios, especulando com espaços em prédios ocupados, explorando oferta e demanda como qualquer outro empresário do ramo, sem entregar condições mínimas de segurança e habitabilidade. Os líderes com-teto de movimentos sem-teto se beneficiam de uma hipocrisia generalizada, que inclui os movimentos legítimos, que evitam denunciar os malandros, e as vistas grossas de várias instâncias do poder público.

Durante a campanha eleitoral de 2012, cerca de 50 prédios já listados para desapropriação com finalidade de habitação popular foram invadidos na cidade. Movimentos de esquerda queriam paralisar o discurso da administração, de que estava avançando na oferta. Esses prédios, muitos até hoje ocupados, alguns com subocupação (há menos sem-teto dispostos a pagar os aluguéis cobrados) são outras fogueiras potenciais como o do Paissandu. A administração Haddad chegou a expor o caso de uma dessas organizações, mostrando que era composta pelo crime organizado, fazendo negócio da ocupação de um prédio público.

Mas a exploração imoral de pessoas pobres que necessitam de casa não seria possível se não houvesse um escandaloso déficit habitacional no país, incluindo sua maior cidade. Pior, quando o poder público oferta moradia é quase sempre em áreas distantes do centro, em projetos como Minha Casa Minha Vida, submetendo seus moradores a um apartheid social. Ocupações no centro são uma forma de driblar isso.

Impostos crescentes para imóveis desocupados não fizeram efeito até hoje. É preciso cobrar mais. Mas a especulação imobiliária só é possível também porque os governos não atuam comprando imóveis vazios no centro, que resultariam em benefício em prazo curto. Sem condições de vender, os proprietários ficam anos com um patrimônio parado, expostos a invasões e a desvalorização.

Governos brasileiros não se aproveitam dessa oportunidade, preferem construir conjuntos populares, que afastam trabalhadores do centro empregador e concentram pessoas de um só perfil social.

A tragédia do 1º de Maio vai expor essas e outras mazelas. Nos anos 1970, dois grandes incêndios no centro da cidade acordaram o paulistano para o risco do fogo. Se ao menos tivermos agora efeito semelhante, o sacrifício dos moradores do Paissandu não será totalmente em vão. Se expuser e desmoralizar movimentos sem-teto malandros, também. E se forçar o poder público a rever suas políticas de habitação popular, forçando um apressamento da oferta de unidades, os mártires de hoje terão provocado um milagre. 

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