Leão Serva

Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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Leão Serva

Pesquisas eleitorais antecipadas são retratos de um momento errado

Elas indicam potencial de candidatos sem muita relação com hora do voto

Movida pelo nobre desejo de ser transparente com seus consumidores, cerca de 30 anos atrás, a Folha adotou a prática de anunciar ao leitor o resultado das partidas de futebol no instante do fechamento da edição.

Por razões industriais incontornáveis à época, os jornais produzidos para áreas do país mais distantes de São Paulo, como o Norte, o Centro-Oeste e o Nordeste, tinham que ser produzidos antes do final das partidas noturnas.

O efeito da decisão eram notícias como: “Aos 10 minutos do primeiro tempo, Santos e Ituano empatavam em 0 a 0”.

Claro que nos minutos seguintes os resultados podiam mudar. Para frustração dos editores, entre os quais eu me incluía, a “caixinha de surpresas” alterava os placares com frequência torturante.

Lembro dessa época sempre que leio as notícias sobre pesquisas eleitorais anteriores ao período de campanha. Elas indicam a potencialidade dos candidatos em um momento que tem pouca relação com a hora do voto. É como falar do resultado do jogo quando os times ainda estão fazendo o aquecimento em campo, antes do apito inicial do juiz.

Nessa altura, os níveis de indecisão são elevados. Há muitos votos mutáveis. À medida em que começa a campanha, as pessoas recebem informações que alteram seus sentimentos iniciais sobre candidatos, lembram histórias do passado, conversam com amigos, olham o noticiário. Mesmo eleitores decididos mudam de opinião.

 

Há vários exemplos disso, que deveriam ensinar aos leitores. Nem cito casos mais distantes e discrepantes, mas números obtidos em levantamentos de julho/agosto, época que estamos vivendo:

* Em julho de 1994, Lula (PT) ainda liderava as pesquisas eleitorais, mas perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique (PSDB) na eleição de outubro.

Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso na saída do debate de presidenciáveis na TV Bandeirantes, no bairro do Morumbi, em São Paulo - Jorge Araújo - 17.ago.2018/Folhapress

* Na mesma época de 1998, Paulo Maluf (PPB) era o primeiro colocado na eleição para governador de São Paulo, seguido de perto Francisco Rossi (PDT); o vencedor do pleito, o então governador Mário Covas (PSDB), a essa altura era apenas um distante terceiro colocado.

* Oito anos atrás, antes da campanha na TV, José Serra (PSDB) era o líder com uma posição muito superior à que Lula tem hoje; em julho, ainda tinha 37% das intenções de voto, em empate técnico com Dilma Rousseff (PT), que depois venceria.

* Candidata à reeleição, quatro anos depois, Dilma (PT) chegou em julho com 36% das intenções de voto, 15 pontos à frente da segunda colocada, Marina Silva (PSB), que nem chegou ao segundo turno.

 

* O exemplo mais recente de incongruência entre as pesquisas antecipadas e o resultado da eleição é o da campanha municipal de São Paulo em 2016: no final de agosto (este mês que começa), Celso Russomanno (PRB) liderava a corrida com 31% das intenções de voto, seguido de longe pela segunda colocada, Marta Suplicy (PMDB), com 16%.

A terceira colocada era Luiza Erundina (PSOL), com 10%. Em uma posição nanica, o prefeito Fernando Haddad, candidato a reeleição, amargava o quarto lugar (8%). Cerca de 40 dias depois, o quinto colocado de agosto, João Dória (PSDB), ganhou no primeiro turno.

Pesquisas são “um retrato do momento”, como diz o clichê. Mas levantamentos feitos antes da hora H são retratos de um momento errado.

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