Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Distância de Obama deixa democratas nervosos

Ex-presidente interferiu na disputa de 2016, o que pode ter acelerado destruição que tentou evitar

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Há duas semanas, os produtores de cinema Barack e Michelle Obama comemoraram o Oscar recebido por “Indústria Americana”, um dos primeiros documentários produzidos por sua nova empresa.

Na virada do ano, o ex-presidente e político americano mais eloquente das últimas décadas, autor dos best-sellers “Audácia da Esperança” e “A Origem de Meus Sonhos”, fez um pronunciamento público via Twitter.

Aproveitou a atenção dos 113 milhões de seguidores para divulgar a sua playlist de melhores de 2019, “do hip-hop ao country”, no caso de “você estar procurando companhia numa longa viagem de carro ou querer ajuda para fazer exercício".

Um marciano recém-chegado ao planeta teria dificuldade de entender que o mesmo Obama é o líder espiritual do partido em luta de morte para desalojar uma presidência imperial, impedir mais erosão de liberdades democráticas e a interferência estrangeira na eleição.

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Michelle Obama e Barack Obama em evento em Illinois - Scott Olson 29.out.19/Getty Images/AFP

Faz parte da liturgia da posição de ex-presidentes manter distância olímpica das campanhas durante o processo de primárias eleitorais para reemergir na convenção, ungir o indicado de seu partido e sair em campanha.

Mas liturgia requer expectativa de continuação dos rituais. O trem da normalidade já saiu da estação há algum tempo, e o partido de Barack Obama tenta se adaptar a um país em crescente ameaça de monopartidarismo ultraconservador e do governo pela minoria.

O fiasco da contagem de votos no caucus de Iowa, em janeiro, chamou a atenção para a capacidade da liderança democrata de realizar primárias ágeis e transparentes.

E os dedos acusadores se voltaram para Tom Perez, o líder do partido desde 2017, geralmente percebido como uma escolha imposta por Obama. Perez é um dominicano-americano que foi Secretário do Trabalho no segundo mandato de Obama.

O candidato orgânico para a liderança do partido era o deputado Keith Ellison, de Minnesota, apoiado inclusive por líderes moderados no Congresso, apesar de ter favorecido a candidatura de Bernie Sanders contra Hillary Clinton, em 2016, mas cujas posições políticas progressistas não diferiam expressivamente das de Tom Perez.

Perez teria sido recrutado pela Casa Branca, em 2016, e a explicação estaria no interesse em plantar um soldado leal e manter abertos canais de acesso a consultores e lobistas democratas cujos conflitos de interesses não ficariam na mira da liderança.

A equipe nomeada por Perez para organizar a convenção democrata que vai indicar o candidato do partido em Milwaukee, em julho, é um quem é quem de apoiadores da presentemente comatosa pré-candidatura de Joe Biden, delegados com vínculos com lobistas e francamente hostis à ala progressista do partido representada pelo de fato favorito no momento, Bernie Sanders.

Isto num ano em que a responsabilidade em julho é maior e é possível que haja uma convenção mediada, isto é, com Sanders sendo desafiado por não ter chegado à maioria, embora tenha obtido mais delegados do que os adversários.

Diante do silêncio do inspirador primeiro presidente negro da história americana, o homem apelidado de “no drama Obama”, a intriga de bastidor aumentou e corre solta.

Amigos dizem que Obama está esquentando os motores para cair na estrada depois de julho. Mas também dizem —e fontes próximas negaram, nesta semana— que ele está tão assustado com o esquerdismo do possível candidato Bernie Sanders, que faria alguma declaração pública.

Sanders e Obama estão longe de ser amigos. Sanders disse, na semana passada, que mantém contato regular com ele, algo que fontes ligadas ao ex-presidente disseram a repórteres ser uma versão bastante criativa da realidade.

Para piorar, passou a circular o vídeo de uma entrevista de Sanders a um canal de seu estado, em 2012, acusando Obama de ter se deslocado impunemente para a direita e sugerindo que ele, Sanders, devia desafiar Obama nas primárias da reeleição.

Ao mesmo tempo, o republicano de coração e súbito democrata por expediência Michael Bloomberg está fazendo chover comerciais de campanha em que aparece ao lado de Obama quando era prefeito de Nova York, insinuando ser admirado por ele, quando, de fato, a relação dos dois é fria e não há grande respeito mútuo.

Em 2016, Obama afastou o errante vice-presidente Joe Biden, seu amigo, do caminho de Hillary Clinton, por acreditar que ela tinha condições de se eleger e proteger seu legado.

Um legado em economia, meio ambiente, educação e tecnologia, obstinadamente desmontado por Donald Trump, porque foi, em boa parte, construído por ordens executivas, já que os republicanos haviam recuperado maiorias legislativas e, nas palavras do obstrucionista ainda líder do Senado Mitch McConnell, a principal missão do partido era fazer de Obama o presidente de um mandato só.

Os oito anos de Obama coincidiram com um massacre legislativo federal e estadual para o Partido Democrata.

O inspirado orador, no testemunho de assessores próximos, detestava o varejo na política, o corpo a corpo com adversários.

Até Bill Clinton, marido de sua primeira Secretária de Estado e que ajudou a salvar sua campanha de reeleição, em 2012, não mereceu nem um convite para café na Casa Branca, durante o primeiro mandato.

Sim, Obama foi selvagemente deformado pela propaganda da direita racial americana. Será para sempre o seminal transformador que, pelo simples fato de se eleger, colocou um marco na história da república cuja constituição, até 1964, garantia a segregação racial.

Numa nota pessoal, devo agradecer a ele a saúde para escrever esta coluna, dez anos depois da passagem do Obamacare.

Os rumores anedóticos apontam para um Obama cada vez menos interessado em política, que mal mantém contato regular com Tom Perez e o establishment do partido.

Qual será o custo pelo simbolismo da era Obama?

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