Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Como Trump e Bolsonaro agravam a pandemia de coronavírus

Sessões diárias de desinformação colocam em risco a saúde de meio bilhão de pessoas no Brasil e nos EUA

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Existe objetividade jornalística em transmitir a um país inteiro desinformação sobre saúde pública que pode causar mortes incontáveis?

Se uma autoridade eleita enviar um aviso a todas as Redações convocando para uma entrevista coletiva destinada a anunciar que o fumo faz bem à saúde, o que faz um editor de ciência e saúde?

Coloca a entrevista no ar ao vivo?

O médico Anthony Fauci (ao centro), entre Donald Trump e o vice-presidente, Mike Pence, durante entrevista coletiva em Washington
O médico Anthony Fauci (ao centro), entre Donald Trump e o vice-presidente, Mike Pence, durante entrevista coletiva em Washington - Jonathan Ernst/Reuters

O despreparo épico de Donald Trump e Jair Bolsonaro para liderar seus países na pandemia do coronavírus requer de jornalistas novas ferramentas editoriais. Político mente, exagera, tergiversa, ofusca.

Mas não se trata mais de promessa de campanha.

Os dois presidentes estão apenas repetindo o comportamento inaugurado por Trump e que Bolsonaro imita, iludido de que goza de impunidade semelhante ao ídolo do norte, este blindado pelo Partido Republicano.

Ambos chegaram ao poder para quebrar tudo, avacalhar a instituição da Presidência —e sempre se comportaram como caudilhos de república de banana.

A imprensa americana demorou a se recuperar do choque de uma presidência inaugurada com a cena do secretário de imprensa despachado como um jagunço para dizer ao país que não acreditasse nos próprios olhos.

A foto da multidão muito maior na posse de Obama era mentirosa, ponto. Naquele janeiro de 2017, o ridículo gerou memes, caricaturas e monólogos de comediantes de fim de noite.

Mas, à medida que avançou a manipulação da informação orquestrada por um empresário falido, ressuscitado por um reality show, o comentariado político especulava: e se Trump for submetido a um teste como um confronto com o Irã ou com a Coreia do Norte?

O teste chegou na forma de uma pandemia. O mesmo desafio chegou para o capitão valentão de live. Aquele que foi usado por Xi Jinping para mostrar quem manda no pedaço.

Não há qualquer exagero em afirmar que grande número de americanos e brasileiros vai pagar com a vida pelas decisões de dois autocratas apavorados.

Trump sempre teve medo de se contaminar com apertos de mãos. Décadas depois de se beneficiar de cinco deferimentos suspeitos para escapar do alistamento militar, ele chamou de “o meu Vietnã pessoal” o fato de não ter contraído HIV ou outras doenças sexuais transmissíveis nos anos de esbórnia quando estava divorciado.

Agora, ele agrava o atraso obsceno para mobilizar a resposta nacional à chegada do vírus inventando curas fantasiosas, sugerindo uma vacina rápida impossível e prometendo distribuição de testes que não chegam.

As entrevistas coletivas diárias da força-tarefa da Casa Branca para o coronavírus deviam vir com uma tarja na tela sobre seus riscos à saúde.

O mesmo vale para as farsas montadas pelo capitão que usa a máscara para cobrir os olhos, numa metáfora perfeita da sua Presidência.

As entrevistas coletivas de Trump e Mike Pence contam com gente do calibre do dr. Anthony Fauci, um dos maiores especialistas mundiais em doenças infecciosas, e é doloroso ver esse herói nacional de 79 anos, pioneiro do combate à Aids, se contorcendo para não contradizer Trump.

Não faz qualquer sentido as TVs a cabo americanas, muito menos as brasileiras, exibirem mais de uma hora sem edição de entrevistas da Casa Branca com tom de comício de reeleição.

O menos danoso à saúde pública seria editar em texto, áudio e vídeo os trechos e respostas relevantes e não transformar em manchete algo que os editores sabem não ser fato médico.

O que Trump e Bolsonaro fizeram, espalhando o uso de cloroquina como possível cura, sem testes clínicos relevantes, foi provocar uma corrida à droga antimalária em farmácias de vários países com grande número de pacientes de malária, seguida do inevitável aumento de preço.

Um professor de jornalismo de Nova York sugeriu que repórteres tratem a emergência da pandemia como uma emergência da sua profissão.

O que aconteceria se o blefe dos dois autocratas que regurgitam despautérios fosse exposto e as perguntas nas coletivas dirigidas apenas aos médicos, cientistas e autoridades que se limitam à informação factual?​

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