Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Coronavírus Governo Trump

A terra da fantasia encontra a real pandemia

Covid-19 é um vírus oportunista que encontrou os Estados Unidos sem imunidade

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Por que a resposta à pandemia do novo coronavírus ainda choca tantos que se acostumaram a esperar liderança americana em governança, ciência e saúde pública?

O 11 de Setembro de 2001 e a grande recessão de 2008 testaram o país num curto espaço de tempo, mas a resposta às duas crises ajudou a criar a maior de todas.

A invasão do Iraque e o abandono da classe média depois do crash de 2008 tornaram mais aguda a corrupção que acabou por completar a ocupação de Washington pelas urnas em 2016.

A pandemia é apenas um vírus oportunista que encontrou um organismo sem imunidade.

Moradores da cidade de Chelsea (Massachusetts) aguardam para receber comida da Guarda Nacional
Moradores da cidade de Chelsea (Massachusetts) aguardam para receber comida da Guarda Nacional - Scott Eisen - 17.abr.20/Getty Images/AFP

Os Estados Unidos que acolheram meu pai, logo depois da Segunda Guerra, eram uma terra de possibilidades. O período final da política de boa vizinhança ajudou a plantar meu pai, de classe média, na Universidade Harvard, em 1946.

Se o interesse era espantar o fantasma da influência comunista, o resultado foi um dos primeiros influentes ambientalistas brasileiros, formado no que era conhecido então como a pós-graduação em engenharia sanitária, a futura ciência do meio ambiente.

Em 1986, a Secretaria de Educação de Nova York, onde eu tinha desembarcado, ofereceu um teste de inteligência para minha filha de cinco anos ser colocada num programa especial de crianças “gifted” (com talento especial), numa escola pública.

Eu não sabia o que era "gifted". Quando o burocrata me perguntou sobre os "gifts", respondi que, sim, claro, ela ganhava "gifts" (presentes) no aniversário e no Natal.

Minha filha não falava inglês ou outra segunda língua. O teste foi administrado em espanhol e, para minha perplexidade, trouxe um resultado auspicioso. O sistema me acolheu.

Meu aluguel era 50% do meu salário. Reagi inicialmente dizendo que a vaga no programa público de elite era uma forma de seleção social e racial. Mas não, não recusei o cobiçado acesso a uma das estelares escolas públicas de Manhattan.

É difícil reconhecer o país que hoje ainda é meu ofício cobrir. Não porque não existisse desde sua fundação. Nas bordas, nos bolsões rurais e nos charlatães televangelistas; nos porras-loucas vagamente esquerdistas e anticiência da onda new age da Califórnia, que se lambuzavam de indulgência enquanto astronautas militares caretas rumavam para a lua.

O país lunático e obscurantista sempre conviveu com o país que fundou a mais longeva, campeã de prêmios Nobel e hoje agonizante democracia constitucional.

A imunidade nacional vem sendo erodida sistematicamente há pelo menos quatro décadas de crescimento da desigualdade, desprezo por instituições públicas e polarização insustentável.

Toda noite, às 19h, os nova-iorquinos vão à janela bater palmas para médicos, enfermeiros e trabalhadores essenciais que continuam a nos entregar comida.

Mas o rosto que não devemos esquecer, além do de heróis anônimos, é o da senadora republicana Kelly Loeffler, do estado da Geórgia. Ela teve acesso ao briefing de inteligência sobre a pandemia e vendeu US$ 18 milhões (R$ 97 mi) em ações de empresas que seriam afetadas pela recessão iminente.

Enquanto isso, atacava os democratas em público e negava a gravidade do risco do coronavírus.

Os Estados Unidos hoje precisam de imunidade contra gente como ela no poder.

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