Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Zuckerberg se tornou o amigo dos autocratas

Crônica do declínio da democracia mundial passa obrigatoriamente pelo quartel general do Facebook

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Eles não têm muito em comum, mas são aliados na erosão da democracia, no mundo. Ambos gostam do verbo “dominar”. Nesta semana, Donald Trump foi ouvido num telefonema com governadores dizendo que eles iam parecer “um bando de babacas” se não dominassem os protestos contra a morte de George Floyd, assassinado por asfixia por um policial branco, em Minneapolis.

Na sede do Facebook, Mark Zuckerberg costumava bradar “dominação!” em reuniões com a equipe, quando gritava também, em latim macarrônico, “Cartago deve ser destruída!” —o alvo era o Google, não a cidade inimiga da Roma antiga, esta uma fixação do mini-imperador do Vale do Silício desde a adolescência.

A crônica do declínio da democracia mundial na segunda década do século 21 passa obrigatoriamente pelo quartel general do Facebook em Menlo Park, na Califórnia.

Mark Zuckerberg durante fala em Washington - Andrew Caballero-Reynolds -17.out.2019/AFP

Da Índia às Filipinas, dos Estados Unidos à Rússia dos hackers, nenhuma corporação cooperou de maneira tão eficaz com a eleição de autocratas (Narendra Modi, Rodrigo Duterte e Donald Trump), incitou limpeza étnica ou potencializou terrorismo religioso.

Se a imagem de Zuckerberg começou a ser seriamente erodida depois de Trump se eleger com sua ajuda, esta semana marcou a mais séria crise para o fundador do Facebook.

A decisão de não censurar posts incendiários de Donald Trump sobre os protestos, como fez o Twitter na sexta-feira (29), está inflamando uma rebelião nas hostes da empresa, com pedidos de demissão de executivos e engenheiros inconformados com Zuckerberg.

Os jornalistas que cobrem o Vale do Silício sempre se valeram de entrevistas em off com funcionários do Facebook, críticos do comportamento do fundador que, num jantar privado na Casa Branca, parabenizou Trump por ser o número 1 da plataforma.

Na segunda-feira (1º), começou um movimento de paralisação virtual que cresceu para centenas de funcionários. Desta vez, eles estão indo ao Twitter para criticar o fundador da empresa.

Uma profissional que o Facebook tentou recrutar postou a oferta da empresa online e sua resposta, explicando que não faria parte de uma corporação que fatura com “anúncios que promovem violência.”

Quando Trump assinou uma ordem executiva (semelhante a um decreto presidencial no Brasil) em represália à decisão do Twitter de censurar seu post, o alvo era outro, como apontou a acadêmica Zeynep Tufecki, estudiosa de tecnologia digital.

Embora a ordem pouco deva mudar como instrumento de repressão a empresas de tecnologia, foi um gesto dirigido a Mark Zuckerberg, de quem Trump depende para se reeleger, num momento em que o barco republicano começa a fazer água.

Em 2016, Zuckerberg colocou sua equipe para trabalhar dentro das campanhas de Hillary Clinton e de Trump.

Mas Hillary, além de não entender o poder do Facebook, tinha fundos de sobra para uma campanha tradicional. Trump não tinha e apostou pesado nos algoritmos de Zuckerberg, ajudado pelos hackers de Vladimir Putin, que convocavam até protestos raciais na plataforma.

Mark Zuckerberg confeccionou sua imagem de libertário de camiseta e jeans, mas quem tira seu sono não é o cada vez mais ditatorial ocupante da Casa Branca.

É uma vitória tripla dos democratas em novembro com a retomada da presidência, do Senado e a manutenção da maioria na Câmara.

Nesse cenário, a dominação que ele celebra em latim pode estar, como disseram os soldados alemães ao fugir de Stalingrado, "kaputt".

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