Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Presidente Biden deixou de ser miragem?

Precavida, porém, deveria tratar a possibilidade da mesma forma que atores se referem a 'Macbeth'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

É manhã de domingo, 15 de novembro de 2020. A folhagem do outono, em Washington e Nova York, já perdeu o viço. Nas duas cidades, estúdios de canais de TV abertos e a cabo estão prontos para um ritual que começou no meio do século 20, o talk show político dominical.

Depois de uma excepcionalmente lenta apuração das urnas, analistas discutem se foi julho o mês que elegeu Joe Biden. Discordam sobre o momento.

Teria sido a explosão da pandemia nos estados cruciais para Donald Trump? O livro da sobrinha Mary Trump, observadora privilegiada do narcisismo maligno e da corrupção do tio?

Sinais de que republicanos perderam o medo de desagradar Trump, admitindo abertamente que não iriam arriscar a saúde comparecendo à convenção do partido na Flórida em agosto? Ou o primeiro comício cancelado por falta de público?

O candidato democrata à Presidência dos EUA, Joe Biden, após discursar em Wilmington, no estado de Delaware
O candidato democrata à Presidência dos EUA, Joe Biden, após discursar em Wilmington, no estado de Delaware - Chip Somodevilla - 14.jul.20/Getty Images/AFP

E qual a iconografia da derrota? Um visivelmente esgotado presidente resmungando frases desconexas por uma hora no jardim da Casa Branca?

Ou, quem sabe, a supressão da imagem anterior, quando duas das três principais redes de TV a cabo cortaram o sinal da falsa entrevista coletiva transformada em comício eleitoral na terça-feira (14)?

Depois do trauma de 2016, democratas reagem a previsões de vitória com superstição semelhante à de atores shakespearianos quando alguém pronuncia “Macbeth” dentro de um teatro.

Desde o século 17, uma lenda de mortes e desastres em produções da peça faz com que atores só se refiram à tragédia sobre ambição e poder como “a peça escocesa”. Toc, toc, toc.

Sim, as pesquisas nacionais que hoje apontam para a vitória de Joe Biden já iludiram a maioria de eleitores que deu o voto popular a Hillary Clinton. Mas a aceleração do deslocamento registrado na opinião pública é nova.

De Barack Obama, passando por analistas de pesquisa e Redações até o próprio Donald Trump, ninguém esperava a vitória do republicano em novembro de 2016.

Há uma diferença importante. Biden não atrai, de longe, os índices de rejeição que eram albatrozes nas costas de Hillary.

Para desespero de assessores, Trump está dobrando a aposta da polarização, sacudindo diariamente chocalhos raciais, enquanto o apoio a ele despenca entre independentes, o maior bloco eleitoral do país.

Um termômetro da calamidade pode ser os diálogos de William Cohan, ex-investidor financeiro e hoje repórter da revista Vanity Fair, com executivos de Wall Street, os mesmos que se lambuzaram de benesses sob Trump, que eliminou US$ 2 trilhões (R$ 10,7 trilhões) em impostos.

Eles têm soprado para Cohan que o aumento de impostos sobre ganhos de capital é bem-vindo, reconhecendo o iceberg no caminho do Titanic nacional. Imaginem, um “mercado” que sabe distinguir a mula sem cabeça e o posto Ipiranga de uma economia.

Na Macondo mental de Trump, ele vai ser salvo pela mítica maioria silenciosa, a mesma a quem Richard Nixon agradeceu por se eleger, em 1968. Nada convence o presidente de que a maioria silenciosa hoje é a hidroxicloroquina da sua sobrevivência política.

Faltam três meses e meio para a especulação desta colunista se confirmar como fato. Como alguém que passou a noite de 8 de novembro de 2016 em choque no meio da multidão que acompanhava a apuração nos telões de Times Square, devia ter o bom senso de, até 4 de novembro deste ano, referir-me a um presidente Biden como a “peça escocesa”.

Se estiver enganada e a experiência democrática ocidental sofrer um novo golpe, uma necessária retratação será o menor dos meus problemas.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.