Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Trump continua o mesmo; cobertura jornalística é que precisa mudar

É como se o presidente estivesse em campanha para declarar ilegítimo resultado em novembro

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A destruição de Beirute, que levou horror instantâneo ao mundo pelas imagens de celulares, disputou espaço na mídia americana com outro evento. Não, não foi o número recorde de mortes por coronavírus, parte integral e regular do menu de notícias nos EUA.

"Magistral! Corajoso!", exclamavam jornalistas e âncoras de TV, enquanto trechos de uma entrevista concedida por Donald Trump eram repetidos num loop contínuo. A entrevista ao jornalista australiano Jonathan Swan foi gravada na Casa Branca na última semana de julho e exibida no domingo (2).

A reação de colegas aos 38 minutos de mentiras e descaso pela tragédia da pandemia revela muito mais sobre o estado do jornalismo do que sobre Donald Trump, cuja capacidade de surpreender foi deixada para trás desde que tomou posse em 2017.

O presidente americano, Donald Trump, participa de evento da Cruz Vermelha dos EUA, em Washington
O presidente americano, Donald Trump, participa de evento da Cruz Vermelha dos EUA, em Washington - Carlos Barria - 30.jul.20/Reuters

Jonathan Swan, 35, chegou a Washington em 2014, numa bolsa para trabalhar no Congresso. Em Canberra, onde era repórter, foi conhecido por furos como a descoberta de um vídeo no YouTube que mostrava um político australiano fazendo guerra de cocô de canguru no quintal.

Swan passou um ano ouvindo “não” de Redações até conseguir emprego no site The Hill, especializado na cobertura do Capitólio e, entre outras baixarias, infame por espalhar as falsidades que desaguaram no "Ucrâniagate".

O repórter foi um dos primeiros contratados pelo site Axios, lançado em 2017 por dois ex-jornalistas do site Politico e com DNA editorial similar. É uma visão de cobertura política não como pilar da democracia, mas uma mistura de intrigas da corte com transmissão de jogos esportivos.

Swan, um incansável colecionador de furos, foi vastamente atacado por colegas em novembro de 2018, quando o Axios estreou um programa semanal na rede HBO.

Ele havia conseguido arrancar de Trump, com exclusividade, o anúncio de que o presidente queria cancelar o direito à cidadania concedido a toda pessoa que nasce em solo americano.

Sem esconder a alegria, o jornalista usou a declaração de Trump como promoção do primeiro especial de TV do Axios. Ele aparece sorrindo quando Trump dá os parabéns pelo furo.

Um presidente americano não tem poder de cancelar o direito à cidadania, concedido por mais de outros 30 países e sacramentado na Constituição americana desde o século 19. Mas a intenção de violar a Constituição virou aperitivo para clipe promocional.

Os despautérios que Trump desfiou na nova entrevista que tanta inveja causou a jornalistas foram manchete porque Swan, um suave praticante do jornalismo de acesso (fale comigo e eu pego leve), interrompeu o presidente várias vezes com fatos, algo que não se vê com frequência nas entrevistas coletivas-comícios na Casa Branca.

Embora a entrevista tenha sido embaraçosa, não foi o momento sem precedentes que Swan vendeu ao público.

O que não tem precedentes é o assalto de três anos e meio ao sistema democrático, e ele não pode ser dissociado da negligência catastrófica com a pandemia que já matou 157 mil nos EUA.

A timidez da volúvel mídia americana facilitou a eleição de Donald Trump. No momento, é como se Trump não estivesse em campanha contra Joe Biden, mas em firme campanha para minar a limpeza do processo eleitoral e declarar ilegítimo o resultado em novembro.​

Apesar do brio do jornalismo investigativo que o presidente despertou, parecem faltar ferramentas e critérios editoriais para enfrentar o mais grave momento do pós-Guerra americano.

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