Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Como roubar a eleição numa democracia constitucional

Reportagem da revista The Atlantic descreve ação de Trump para nomear eleitores do Colégio Eleitoral leais aos republicanos

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Donald Trump se recusou, nesta quarta (23), a confirmar o apoio a uma transferência pacífica de poder em janeiro caso perca a eleição.

"Vamos ver o que acontece, tenho reclamado fortemente das cédulas, elas são um desastre. Vamos nos livrar das cédulas e vai haver uma muito pacífica... Não vai haver transferência de poder, francamente, vai haver uma continuação... As cédulas estão fora de controle." É uma declaração espantosa.

A Constituição americana determina que o poder de um presidente em exercício derrotado nas urnas termina ao meio-dia de 20 de janeiro.

O FBI emitiu um comunicado alertando a população para a ação de “atores estrangeiros e criminosos cibernéticos” que devem espalhar desinformação durante o processo de apuração dos votos da eleição de 3 de novembro.

O texto distribuído pelo FBI explica que o aumento do número de votos pelo correio provocado pela pandemia do coronavírus deve prolongar a apuração em vários estados. O FBI pede que o público tome cuidado com as fontes de informação no período da eleição presidencial.

O comunicado dos agentes federais americanos omite a principal fonte de desinformação, o mentiroso serial da Casa Branca que busca a reeleição. Não é surpresa que um relatório secreto da CIA sobre a interferência russa na eleição presidencial tenha vazado para o Washington Post nesta semana.

O presidente dos EUA, Donald Trump, em comício na cidade de Swanton, em Ohio
O presidente dos EUA, Donald Trump, em comício na cidade de Swanton, em Ohio - Mandel Ngan - 21.set.20/AFP

A comunidade de inteligência, atacada por Donald Trump desde que tomou posse como o “estado profundo”, pisa em ovos com um presidente que vê deslealdade em quem lhe apresenta sinais evidentes de ataque à integridade ao processo eleitoral.

Na quarta-feira (23), a revista The Atlantic antecipou a publicação de uma reportagem prevista para a edição impressa que só sai no meio de outubro, tal a gravidade do conteúdo. O repórter Barton Gellman, premiado especialista em segurança nacional, afirma que o temor generalizado de que Trump não acate o resultado da eleição no caso de uma derrota se concentra na ameaça errada.

O cenário que Gellman desenha é possível e mais grave. É uma operação preventiva contra a derrota. O intervalo entre 3 de novembro e 20 de janeiro, dia da posse, está se anunciando como um risco sem precedentes de uma crise constitucional.

O dia 8 de dezembro marca o final do prazo para a contagem dos votos e a nomeação de 538 homens e mulheres que compõem o Colégio Eleitoral. Não é o voto popular que decide a eleição, mas o Colégio.

A Constituição americana não garante que os 538 sejam escolhidos por voto popular, embora essa tenha sido a tradição. Legislativos estaduais podem apontar os eleitores do Colégio.

Gellman revela que a campanha de Trump está discutindo com estados em disputa uma opção nuclear.

Trata-se de um plano de contingência para passar ao largo de resultados e nomear eleitores leais nos estados onde o Partido Republicano controla o Poder Legislativo. O plano seria alegar fraude eleitoral, uma ficção que Trump repete desde 2016.

O presidente pediria aos legisladores estaduais para colocar de lado o voto popular e escolher os delegados do Colégio Eleitoral. Quanto mais Trump questionar a contagem a partir de 3 de novembro, maior a pressão para os legisladores agirem para cumprir o prazo de composição do Colégio em dezembro.

O que a reportagem descreve é nada menos do que um golpe de estado, ainda que perpetrado com armas constitucionais.

Gellman pediu à campanha de reeleição para confirmar esses planos e não obteve resposta direta além do habitual “a mídia faz de Trump um vilão.”

Não é possível ignorar que Trump vai se recusar a reconhecer uma derrota, como tem deixado claro. Um jurista consultado pela Atlantic lembra: a Constituição americana, a mais antiga das grandes democracias, não garante a transição pacífica de poder, apenas pressupõe que ela ocorra.

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