Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Era Trump mostra que parte da população prefere habitar uma realidade paralela

A propagação de notícias falsas nas redes sociais transformou a checagem de fatos em especialidade obrigatória nas Redações

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“É estúpido demais para checar como fato”, disse, no ar, o primeiro jornalista a se especializar em uma das mais insalubres coberturas da imprensa americana. Daniel Dale, da CNN, checa tudo o que sai da boca de Donald Trump há mais de quatro anos, mas, mesmo para um calejado colecionador de mentiras presidenciais, esta semana passou da conta.

Como não há espaço aqui para listar a nova enxurrada de absurdos propagados pelo homem que anda sempre acompanhado do código de lançamento de 1.750 armas nucleares, ficamos com o mais bizarro: Trump disse, na segunda-feira (31), que um avião lotado de “bandidos usando uniformes pretos, com equipamento e isto e aquilo” havia seguido para a convenção republicana e que o incidente estava sendo investigado.

Apoiadores de Trump confrontam manifestantes antirracismo durante visita do presidente a Kenosha, Wisconsin - Kerem Yucel - 1º.set.20/AFP

A fábula paranoica é uma versão de um post mentiroso e viral publicado no Facebook em junho em que as tais figuras de preto eram militantes do grupo Antifa (antifascista).

O presidente americano sabia que a mídia ia passar os dias seguintes reproduzindo a conspiração, para em seguida desmenti-la. E conseguiu o efeito desejado –espalhar medo da violência radical entre a minoria que o apoia e não se importa com as mentiras; distrair o público e consumir recursos que poderiam ser usados na cobertura da pandemia ou nos esforços para sabotar a integridade da eleição de novembro.

A checagem de fatos virou especialidade obrigatória em Redações com a propagação de notícias falsas acelerada nas plataformas da rede social. E se tornou urgente com a eleição do empresário que fez fortuna em Nova York mentindo para o governo, bancos e sócios e dando calotes em fornecedores.

Qualquer repórter com experiência de entrevistar eleitores de Trump terá ouvido variações da reação “Eu sei que ele mente, mas todo político mente”.

Nesta semana, conheci um jovem membro do exército de rastreadores de contato empregados pelo Departamento de Saúde de Nova York. Eles passam o dia online enviando mensagens e conversando com pessoas que tiveram contato com alguém que recebeu diagnóstico positivo de coronavírus.

O rastreador me contou que, apesar do progresso no controle da pandemia na cidade que foi o epicentro de contaminação e morte no primeiro semestre, ele emprega boa parte do tempo tentando combater desinformação —muitas vezes, sem sucesso. Como representante da saúde pública, ele esperava que fatos tivessem um efeito tranquilizador para o público assustado. “Fatos não bastam mais,” admite.

Contrapor diretamente mentiras e notícias falsas a fatos, pesquisadores têm mostrado, pode ter o efeito contrário: reforçar a convicção dos enganados. Trump já é vitorioso na campanha para espalhar uma de suas mais graves mentiras, a de que é comum haver fraude nas eleições americanas.

Como apurou um estudo recente feito por acadêmicos de cinco universidades, a propaganda da fraude eleitoral feita pela bolha de aliados trumpistas tem obtido sucesso concreto em erodir a confiança dos americanos na integridade das eleições.

A mídia mainstream no país produziu copiosas reportagens mostrando que fraude eleitoral é uma rara exceção na história recente. Mas o estrago está feito.

Uma lição da era Trump é a fragilidade de segmentos expressivos da população que preferem habitar uma realidade paralela. É o país onde nada é verdade e tudo é possível.

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