A performance de Mike Pence no debate desta quarta-feira (7) tem menos importância para a eleição de 3 de novembro do que pela atenção especial que o vice-presidente desperta neste momento.
Donald Trump contraiu coronavírus, seus médicos esconderam a gravidade dos sintomas, e a campanha de reeleição está em apuros, cancelando comerciais de TV por falta de fundos.
Doadores do Partido Republicano já se dizem resignados com a derrota sinalizada nas pesquisas e decidiram investir em salvar a maioria no Senado, onde 17 dos 35 representantes concorrendo neste ano são republicanos. A maioria democrata da Câmara, no momento, não parece em risco.
A contaminação de Trump, da primeira-dama e de vários funcionários da Casa Branca agravou o caos de uma administração em constante modo de crise, e o papel de Pence é crucial. Se o presidente ficar incapacitado, física ou mentalmente, o processo de remoção por saúde começa com o vice, de acordo com a 25ª emenda da Constituição americana.
Apesar de já estar recebendo oxigênio na Casa Branca, na sexta-feira (2), o presidente não deixou pronta uma carta de transferência temporária de poder a Pence. O comportamento errático e agitado do republicano desde que saiu do hospital, possivelmente um efeito colateral dos esteroides que está tomando, causa nervosismo entre assessores.
A 25ª emenda permite que o vice possa declarar o presidente incapaz, física ou mentalmente, desde que apoiado pela maioria —no caso, oito— dos membros do gabinete, e assuma o poder.
O presidente ainda teria o recurso de pedir um voto às duas casas do Congresso e dificilmente a Câmara de maioria democrata o devolveria ao cargo.
Mas nada no comportamento do discreto Mike Pence sugere intenção de confrontar o chefe. Ele é o mais submisso vice em décadas.
Em conversa com a Folha, o jornalista e biógrafo de Mike Pence, Tom LoBianco, não quis especular sobre o desempenho do vice no debate com a senadora Kamala Harris, uma ex-promotora acostumada a duros interrogatórios.
“Mas Pence tem um talento,” diz o autor. “Ele é bom de obstrução, é capaz de se estender falando indefinidamente sem responder o que lhe foi perguntado.”
No dia 7 de outubro de 2016 a campanha de Trump mergulhou em caos por causa da divulgação das gravações em que o candidato se gabava de “agarrar mulheres pela vagina”. A liderança do Partido Republicano sondou Pence para se candidatar no lugar de Trump. Ele recusou.
LoBianco explica que o plano de Karen e Mike Pence, “o casal é uma unidade de operação política”, diz ele, era ganhar um palco nacional, perder para Hillary Clinton e se candidatar a presidente em 2020.
A vitória inesperada foi uma decepção para o casal conservador evangélico hoje atrelado a um presidente corrupto e impopular, que comprou o silêncio de uma atriz pornô e de uma ex-coelhinha da Playboy.
Pergunto ao jornalista como a ambição política de Pence pode influenciar suas ações se houver uma crise constitucional em que um Trump fora de controle não aceite uma derrota na eleição, como vem ameaçando. “Pence acha mesmo que Deus tem um plano para ele, mas ele é um político maleável", diz. "Pence sempre era favor do livre comércio e com Trump deixou de ser.”
LoBianco lembra que Pence está na mesma situação de outros republicanos: o partido, no momento, é controlado por Trump. “Para mim, Pence tem sido o barômetro do que acontece com a direita americana.”
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