Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Liberdade de expressão é testada pela era digital

Debate sobre regulação de redes sociais como Facebook e Twitter vai deixando de ser tabu

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Um debate sobre censura explodiu no ecossistema digital quando Facebook e Twitter restringiram a circulação de um texto plantado no New York Post pelo advogado do presidente Donald Trump, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani.

A “reportagem” do tabloide nova-iorquino de Rupert Murdoch tratava de revelações contidas num suposto computador de Hunter Biden, filho do candidato democrata à Presidência.

Sem elementos que confirmassem o conteúdo, a Redação da rede Fox, um braço não oficial de propaganda trumpista, também operado por Murdoch, chegou a recusar a oferta de publicar.

O candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, à esq., com o filho Hunter, alvos de reportagem publicada no tabloide New York Post
O candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, à esq., com o filho Hunter, alvos de reportagem publicada no tabloide New York Post - Jonathan Ernst - 30.jan.10/Reuters

Giuliani também é conhecido por tungar brasileiros crédulos que o consideram uma autoridade em segurança. Mas já faz tempo que o ex-pré-candidato à Presidência perdeu credibilidade em casa —hoje é investigado por corrupção no distrito de Nova York cuja equipe de promotores liderou nos anos 1980.

John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional de Trump, contou que foi alertado pela comunidade de inteligência para manter distância, já que Giuliani tinha se tornado um idiota útil do eixo russo-ucraniano de espionagem e interferência eleitoral no exterior.

Este é o contexto que levou à decisão descrita como censura sem precedentes das duas empresas de rede social do oligopólio do Vale do Silício.

Ao contrário de outros países com imprensa livre, os EUA têm talvez as mais liberais leis de imprensa devido à Primeira Emenda da Constituição, que impede o Congresso de legislar sobre a liberdade de religião, de fala e de imprensa e protege o direito ao protesto pacífico.

Mas a noção de censura como ato de governo está sendo erodida há décadas, e os EUA contribuíram para esse processo. Hoje sabemos, por exemplo, do papel decisivo da família Koch, magnatas de combustíveis fósseis, em financiar a supressão de informação e pesquisa acadêmica sobre o aquecimento do planeta.

Foram a falta de qualquer regulação e a recusa de ver o jornalismo como um serviço público que permitiram um programa de propaganda eleitoral gratuita nesta quarta-feira (21).

Os canais de TV locais da empresa Sinclair vão exibir um programa em forma de "town hall", em que Trump responde a perguntas de eleitores selecionados sob o critério da lisonja.

A Sinclair é dona do maior número de afiliadas no país, e seus canais incluem repetidoras das redes Fox, CBS, ABC e NBC. O presidente da Sinclair é um trumpista fanático, e a empresa dissemina propaganda e desinformação eleitoral travestidas de notícias, atingindo 39% dos espectadores americanos.

Tudo sob a proteção da Primeira Emenda redigida em 1789. Quem precisa de um coronel de uniforme verde-oliva para selecionar a informação para o público?

Mas, dizem os ortodoxos da Primeira Emenda, a era digital dá vasto acesso à diversidade de fontes de informação, e o público pode distinguir entre fatos e mentiras.

Deve ser por isso que um casal da Califórnia, acompanhando a apuração da eleição presidencial de 2016, disse-me, quando perguntei a eles quais os indícios dos crimes que atribuíam a Hillary Clinton: “Você precisa fazer seu dever de casa. Ela assassinou crianças e adultos, desde os anos 1960”.

A espantosa acusação do casal é em parte fruto de algoritmos como os do Facebook, que tornam viral conteúdo extremista. É um modelo de negócio. A era digital testa a Primeira Emenda como nunca.

Não se trata de defender censura, mas os últimos quatro anos deixaram claro que a erosão evidente da democracia americana passa pela desinformação. O debate sobre a regulação das plataformas digitais vai deixando de ser tabu.

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