Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

A moderação em política não é um cheque em branco

Cada gesto que Obama fez para acomodar a oposição republicana foi brindado com mais chantagem

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Joe Biden teve que ceder palco, nesta semana, para o incontestável rock star da política americana.

O lançamento do novo livro de memórias de Barack Obama deixou o mundo nostálgico por tanto que foi perdido nos últimos quatro anos: decência, reflexão, maturidade e, não devemos esquecer, domínio da língua.

Enquanto escrevo, aparecem, na TV emudecida, manchetes sobre novos desafios legais de Donald Trump à contagem dos votos, sem qualquer chance real de mudar o resultado da eleição.

A esta altura, é difícil distinguir o presidente do príncipe nigeriano daquele golpe dos emails, dos primórdios da internet, que pedia “urgente transferência de fundos”.

Todo dia a campanha republicana bombardeia sua preciosa lista de recipientes com pedidos fraudulentos de dinheiro para sustentar as contas de advogados.

O bipartidarismo que domina o sistema eleitoral dos EUA desde a metade do século 19 não existe mais.

No momento, há um partido vitorioso na eleição presidencial que abriga desde a centro-direita até socialistas. E há o partido, fundado em 1854 para combater a escravidão, hoje sequestrado por extremistas, simpatizantes ou escancaradamente defensores da supremacia branca.

À medida que o presidente eleito anuncia os nomes do próximo governo, a imprensa que continua a cobrir política como esporte monitora os ganhos de moderados na equipe Biden.

A eleição do democrata foi vista como uma lição para 2022 no Brasil e inspira a fraturada oposição ao extremista do Planalto a cortejar o centro. Mas um exame da história recente dos EUA mostra que é preciso pausa para misturar chiclete com banana.

O próprio Obama reconheceu, nas memórias, o choque com a disposição demolidora dos republicanos reféns de Donald Trump. A retórica da esperança e unidade nacional elegeu o moderado Obama em 2008.

A realidade bateu à porta na eleição de 2010, que marcou o início de perdas dos democratas no Congresso e nos legislativos estaduais e engessou sua Presidência.

Foi o ano em que o movimento do Tea Party explodiu na cena nacional, abastecido por bilionários que insuflaram o descontentamento com os pacotes de resgate da economia, depois do crash de 2008.

É importante lembrar que Biden é um político de varejo bem mais hábil do que seu ex-chefe que o supera na oratória, mas não no corpo a corpo com políticos.

O cheque em branco da moderação, no entanto, deve ser considerado à luz da experiência de Obama. Cada gesto que ele fez para acomodar a oposição republicana foi brindado com mais chantagem e obstrução.

O exemplo mais óbvio ocorreu no último ano de governo, quando a morte de um juiz abriu uma vaga na Suprema Corte. Em março de 2016, Obama escolheu Merrick Garland, o nome que considerava mais palatável para aprovação no Senado controlado por republicanos.

O líder Mitch McConnell roubou de Obama a vaga na Suprema Corte, alegando inconstitucionalmente que só o presidente eleito em novembro daquele ano deveria nomear um juiz. A morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, a cinco semanas da eleição presidencial deste ano, provocou o contrário: McConnell realizou a jato a votação para instalar a ultradireitista Amy Coney Barrett na Corte.

O período pós-eleitoral está surpreendendo pelo apetite por mais radicalização demonstrado pela minoria que constitui a base dura de Trump e não aceita o resultado das urnas. O fato de que a maioria dos republicanos eleitos se cala diante dessa nova onda radical deve ser interpretado como um sinal do que vem por aí.​

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