Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Trump continua líder de um país alternativo

Os 70 milhões de votos precisam ser convertidos em clientela para uma nova empresa de mídia do presidente

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Já se esperava que o período entre a eleição e a posse presidencial fosse testar a resistência da democracia americana. Não surpreendeu o fato de Donald Trump não ter admitido a derrota e não convidar o presidente eleito Joe Biden para visitar a Casa Branca. Ele nem deve comparecer à posse do sucessor.

Mas o estado da Geórgia está oferecendo uma camada extra de instabilidade a este período. Ou melhor, a desonestidade do Partido Republicano, encarnada pelo líder do Senado, Mitch McConnell.

Por causa de uma lei estadual que exige mais de 50% dos votos para eleger senadores, as duas vagas da Geórgia no Senado só serão preenchidas depois de um segundo turno, no dia 5 de janeiro. O que está em jogo é o controle do Senado e o destino da Presidência Biden.

No momento, os republicanos têm 50 vagas garantidas e os democratas, 48. Se conseguirem empatar na Geórgia, os democratas teriam o voto extra da vice-presidente eleita Kamala Harris para desempatar votações.

McConnell é um autoritário inescrupuloso com mais competência do que o atual presidente para corromper a política americana. Dias antes das eleições legislativas de 2010, quando o Partido Democrata sofreria as primeiras derrotas que marcaram a Presidência Obama, o senador afirmou: o principal objetivo do Congresso que tomar posse é fazer Barack Obama o presidente de um só mandato. Ou seja, legislar, como determina a Constituição, nem pensar, apenas capturar poder.

A campanha de Trump continua a mover ações judiciais para questionar a apuração e a validade de votos em vários estados.

Porém, o que mais sinalizou a instabilidade foi a decisão de McConnell, anunciada na segunda-feira (8), de não reconhecer a vitória de Biden e encorajar o presidente a continuar semeando caos, investigando a inexistente fraude eleitoral.

McConnell e Trump são dois niilistas com objetivos não necessariamente comuns no momento. Ao senador interessa manter agitada a base trumpista que deu 70 milhões de votos ao presidente. Tudo o que ele fizer agora é com olho em 5 de janeiro, para se manter líder.

O atual líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, do Kentucky
O atual líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, do Kentucky - Bryan Woolston/Reuters

Já o presidente está numa campanha de branding, como fez em 2016, quando não esperava vencer, apenas aumentar o valor da marca Trump. Na noite da eleição, relatou um ex-assessor da campanha de 2016, o avião de Trump estava pronto para decolar para a Escócia, onde ele opera dois clubes de golfe.

Com ajuda da mídia de ultradireita, Trump está defendendo uma realidade alternativa, onde Biden, ainda que tome posse, será um presidente ilegítimo. É uma nova forma de "birtherismo", o movimento racista endossado por Trump, promotor da mentira de que Obama nasceu no Quênia.

Os 70 milhões de votos precisam ser convertidos em clientela lucrativa para uma nova empresa de mídia com Trump em campanha permanente, sacudindo o chocalho da eleição de 2024.

Apesar de o bilionário Rupert Murdoch ter desviado sua mídia do negacionismo eleitoral, com recados ao presidente pela Fox News e nos jornais New York Post e Wall Street Journal, a radicalização trumpista continua sendo um modelo de negócio, não uma ideologia conservadora.

Foi consolador saber que a pesquisa Reuters/Ipsos nesta semana mostrou que 8 em 10 americanos acreditam na vitória de Biden. Mas segundo outra pesquisa, Economist/YouGov, 86% dos que disseram ter votado em Trump acreditam que a vitória não foi legítima.

Um presidente sem mandato deve continuar liderando um país paralelo, cuja fronteira será fechada aos fatos.​

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