Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

É a identidade, estúpido

Desde a bomba em Oklahoma City, supremacia branca não conseguia palco tão espetacular para se exibir

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O mais grave ataque sofrido pelos EUA neste século –não o mais sangrento– foi transmitido ao vivo pelos próprios terroristas. E por que não escondiam os rostos com balaclavas? Porque moram num país onde não precisam ser clandestinos.

A invasão do Capitólio foi um sucesso. Desde que uma bomba matou 168 pessoas num prédio do governo em Oklahoma City, em 1995, o movimento de supremacia branca não conseguia um palco tão espetacular para se exibir.

Um ex-agente federal especializado em contrainteligência examinou as imagens, a falta de segurança espantosa no dia do cerco e concluiu que 6 de janeiro foi o baile de debutantes das milícias brancas que, afinal, a mídia americana começa a classificar de grupos terroristas.

Enquanto o país espera com ansiedade a posse de Joe Biden e Kamala Harris, no dia 20, numa capital inundada por tropas da Guarda Nacional, 50 estados americanos estão sob ameaça de manifestações violentas, com supremacistas brancos armados prometendo criar caos.

O presidente com a distinção de ser o primeiro a ter dois impeachments aprovados na Câmara pode parecer encolhido, silenciado pelas redes sociais. Mas a ultradireita extremista se sente triunfal, e o 6 de janeiro será um peça de propaganda durante anos.

Na perplexidade nacional e internacional com a eleição de Donald Trump, em 2016, centristas e liberais americanos, com ajuda da mídia, entraram num túnel de contrição por não terem percebido a “ansiedade econômica” do trabalhador branco americano e dos eleitores de regiões rurais.

Parte da direita brasileira, que imita a racista direita cristã americana sem qualquer senso de ironia ao olhar sua cara marrom no espelho, viu, no demente e corrupto empresário com uma história de calotes e falências, uma afirmação de liberalismo econômico.

Em 2018, passou por São Paulo o autor Mark Lilla, que parecia saborear seu novo papel de dissidente da academia liberal, por denunciar a política de identidade, que declarou ser um beco sem saída eleitoral para democratas americanos.

Três anos antes de o mundo assistir horrorizado aos infames 8 minutos e 46 segundos, tempo que um policial branco levou para sufocar e matar o negro George Floyd, em Minneapolis, Lilla escreveu: “O Black Lives Matter é um exemplo perfeito de como não construir solidariedade”.

Era preciso, argumentava o autor, defender os negros da violência histórica contra seus corpos sem indiciar, como um todo, a sociedade americana.

Não há maior e mais bem-sucedido movimento identitário do que a supremacia branca que tomou de assalto o Partido Republicano. Como explicar a subserviência obsequiosa de policiais ajudando os invasores do Capitólio a deixar o prédio em liberdade?

Onde está a ansiedade econômica da corretora do Texas que alugou um jatinho para a invasão? Ou a insegurança da oficial do Exército da Carolina do Norte, cujo posto é remunerado por média de US$ 77 mil anuais, que liderou cem pessoas na viagem a Washington para anular a “eleição roubada”?

À medida que vídeos e briefings privados foram revelando a escala da barbárie dentro do Congresso, republicanos eleitos correram para expressar indignação expediente. Quem sabe estão assombrados com a exposição dos colegas às leis federais, no que aparenta se tornar a mais vasta investigação criminal conduzida pelo Departamento de Justiça. Não é a economia, estúpido. É a identidade.​

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