Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

O Brasil minoritário é hoje o cemitério da vergonha

Descaramento que define boa parte da conduta oficial em Brasília é beneficiado pela extinção da vergonha

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O capitão morador do Planalto tem, nesta semana, mais um motivo para celebrar a pandemia que explorou com sadismo sem precedentes, encorajando e facilitando a morte em massa de brasileiros.

O notório covarde, que usou um atentado para fugir de debates presidenciais, não vai encarar pessoalmente o desprezo de outros líderes, graças ao isolamento imposto pelo Covid-19.

Na cimeira do clima convocada por Joe Biden, a mundialmente execrada figura vai aparecer via Zoom e mentir com a desfaçatez típica de quem, há décadas, evade qualquer acerto de contas com a Justiça.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 8.abr.21/Folhapress

O presidente dirá ao mundo, que acredita ser habitado por trouxas, que o Brasil vai expandir o combate ao desmatamento e convidar outros países a ajudar na redução das queimadas com injeção de recursos.

Tradução: o capitão promotor entusiasmado da devastação ambiental, especialmente se seus comparsas lucram com ela, vai fingir pegar mais leve na Amazônia para tungar o tesouro de outros países.

Os americanos usam a expressão “passar batom em porco” quando notam que estão sendo embromados.

Qualquer líder com um mínimo de seriedade sobre a emergência climática não manteria um inimigo público internacional no Ministério do Meio Ambiente.

Mas o principal responsável por transformar o país numa arma biológica global, uma ilha de pestilência com dimensões continentais, vai passar batom na catastrófica porcaria ambiental guiado por um único interesse. Não há mais dúvida de que 212 milhões de brasileiros vão seguir reféns do objetivo central deste governo, que é garantir a impunidade de cinco homens cujo sobrenome é Bolsonaro.

O mundo sabe que a proposta brasileira a ser apresentada na reunião virtual dos 40 países é uma fraude, como classificou, usando dados, o Observatório do Clima.

O descaramento que define boa parte da conduta oficial em Brasília é beneficiado pela extinção de uma espécie, a vergonha. A política atrai pilantras há milênios, mas havia, no passado, uma região fronteiriça demarcada pela expectativa social de compostura.

Donald Trump enterrou de vez a vergonha na cara como fator de contenção na vida pública. E seu clone deformado, que passou décadas desonrando sucessivos mandatos no Congresso, descobriu que continuaria impune fazendo o mesmo na Presidência.

Na década passada, bati um papo com o filósofo Kwame Anthony Appiah sobre o caso da enfermeira britânica que se suicidou, envergonhada por ter sido alvo de um trote que violou a privacidade de Kate, a duquesa de Cambridge, então internada grávida num hospital.

Appiah me lembrou que a vergonha e o orgulho são emoções centrais da honra. Ele havia publicado o livro "O Código de Honra: Como Ocorrem as Revoluções Morais", em que relata como, ao longo da história, o conceito coletivo de honra foi decisivo para extinguir práticas cruéis, como a escravidão e os duelos.

O filósofo me explicou também que a honra requer historicamente o respeito do grupo e uma preocupação com imagem —não depende da moralidade. O Brasil minoritário, que elegeu e recompensa não só a desonra como a depravação moral que mata milhares por dia, é hoje o cemitério da vergonha.

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