Às vésperas do 20º aniversário do 11 de Setembro, o arquiteto intelectual dos ataques está de volta a um tribunal. O julgamento de Khalid Sheikh Mohammed e outros quatro réus havia sido interrompido em março de 2020 por causa da pandemia de Covid-19 e foi retomado na terça (7).
A ironia foi, logo cedo, uma vítima da chamada guerra ao terror, como se vê pela placa ostentando o nome das instalações militares da prisão de Guantánamo, em Cuba, onde os réus são julgados: Campo Justiça. Mohammed e inúmeros outros acusados de terrorismo detidos em Guantánamo foram capturados sob o programa de “rendição extraordinária” (sequestro) e barbaramente torturados pela CIA em “black sites”, prisões clandestinas em que os detidos não tinham acesso a assistência jurídica.
Pelo Campo Justiça, também apelidado de “ilha fora da lei”, passaram 700 prisioneiros que acabaram deportados por quatro presidentes. A conclusão da ocupação americana do Afeganistão serviu de lembrança de que a luta começou viciada pelo nome. Não há nada ecumênico no combate ao terror, o que ficou claro na invasão do Capitólio em janeiro.
Terroristas brancos cristãos têm conseguido se agrupar e se armar com relativa impunidade, e esse combate seletivo ao terror pode ter facilitado o mais letal episódio de terrorismo doméstico no país, a explosão do prédio federal de Oklahoma City, que matou 168 pessoas em 1995.
Um novo livro argumenta que a guerra ao terror tornou possível a Presidência de Donald Trump. O autor de "Reign of Terror: How the 9/11 Era Destabilized America and Produced Trump" (reino do terror: como a era do 11/9 desestabilizou a América e produziu Trump) é Spencer Ackerman, jornalista especializado em segurança nacional. Ele analisa o papel das várias frentes da guerra —a invasão de dois países, a espionagem eletrônica em escala industrial e os abusos de direitos humanos no avanço do autoritarismo nos EUA.
A guerra ao terror não resultou em vitória ou paz, alega o autor. Ao dizer que o terrorismo no mundo se tornou uma metástase global, respondendo aos críticos da retirada do Afeganistão, Joe Biden parece admitir o fracasso na guerra ao terror iniciada por George W. Bush.
Spencer Ackerman acredita que a ultradireita nativista eleitora de Trump foi parcialmente forjada sob Bush, quando ele transformou a imigração em questão de segurança nacional, suprimindo a ideia dos imigrantes como novos americanos em formação.
Muçulmanos vivendo nos EUA, lembra Ackerman, viraram alvos indiscriminados de espionagem e perseguição. Ele afirma que a transformação não teria sido possível sem a cumplicidade e o endosso de democratas liberais, num país onde se tornou tabu contestar o establishment de inteligência e segurança nacional.
Numa tarde de maio de 1993, fui despachada, como repórter freelancer da agência Reuters, para entrevistar o xeque Omar Abdel-Rahman que vivia em Nova York. Abdel-Rahman era o clérigo radical muçulmano acusado de ordenar o primeiro ataque às torres gêmeas de Manhattan, em fevereiro daquele ano. Ele já havia sido preso antes no Egito, acusado de encomendar o assassinato do presidente Anuar Sadat, em 1981.
O xeque morreu em 2017, quando cumpria pena de prisão perpétua numa penitenciária americana. Hoje vejo como a minha reação visceral ao contato pessoal com o homem condenado por ordenar mais ataques de seu apartamento no Brooklyn foi explorada depois do 11 de Setembro.
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