Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Redes sociais são obstáculo, não estímulo à mudança política, defende autor

A palavra 'radical' é tabu, mas como sacudir o Brasil sem ideias novas e radicais?

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Reportagem da Folha desta quarta-feira (15) informa que a popularidade digital de Lula caiu porque ele saiu de cena quando pegou Covid. Nunca assessorei uma campanha política, mas suponho que o verbo cair, nesse contexto, incomoda.

Meu instituto de pesquisa imaginário concluiu, há tempos, que o Brasil não está no Twitter, e o Facebook é passatempo de idosos. Se o abominável centrão, os milicos golpistas e o medonho barricado no Planalto não juntarem a força do ódio que sentem pelo Brasil para amordaçar a maioria dos eleitores, é matematicamente provável um político que respeita a Constituição subir a rampa em janeiro.

Um novo livro não menciona o Brasil, mas serve de lembrete doloroso sobre a indigência política deste ano. Nossa eleição foi emoldurada em clichês como "nem um nem outro" ou na ilusão sebastianista da terceira via biônica. O problema é que nem os chamados patriarcas da polarização que lideram as pesquisas nem o desfile de misses na passarela da terceira via produziram uma só ideia nova.

Manifestantes na praça Tahrir, no Cairo, durante a Primavera Árabe, em 2011 - Pedro Ugarte - 18.fev.11/AFP

A palavra radical é tabu em política, mas como sacudir o Brasil desse pesadelo sem ideias novas e radicais?

O autor Gal Beckerman examina uma seleção de movimentos sociais, desde o século 17 até a Primavera Árabe e o Black Lives Matter, em "The Quiet Before: On the Unexpected Origins of Radical Ideas" (a quietude antes: sobre as origens inesperadas de ideias radicais). Os capítulos sobre eventos que acompanhamos ao vivo são bem ilustrativos do autoengano da militância na era digital.

Em 2011, uma revolução em alta velocidade tinha entre os líderes Wael Ghonim, executivo do Google que convocou via Facebook as manifestações que lotaram a praça Tahrir, no Cairo, contra Hosni Mubarak. O ditador caiu e, em poucos anos, o Egito voltou a ser um Estado policial, só que mais repressivo.

Como lembra Beckerman, sabemos que o meio afeta a natureza da conversa. A história mostra que, para perturbar o status quo, uma ideia precisa ser incubada num espaço pequeno, com intimidade que permita a interlocutores a liberdade de se expressar sem represálias, com tempo para refinar o pensamento.

A primavera egípcia reuniu a jato um sarapatel de grupos políticos que não teriam antes se encontrado na praça. O que aconteceu após a "vitória" da democracia? A autoritária Irmandade Muçulmana arrombou o palácio presidencial, com seus 25 anos de experiência na clandestinidade organizando uma hierarquia de poder. Prevaleceram os que tinham experiência de tortura, não os jovens maravilhados pela rede social.

O que define o sucesso na rede social é imediatismo, conflito e drama superficial —e nada disso serve à construção de solidez democrática. A natureza de plataformas como o Facebook é um obstáculo para manter o foco, organizar pensamentos, planejar estratégias e escolher líderes.

No recente Black Lives Matter, Beckerman mostra como militantes frustrados com os limites da rede social fundaram um grupo alternativo, numa tentativa de "slow cooking" em política. Mas, ao sair da bolha de autoconfimação da rede, o novo grupo descobriu que a maioria dos eleitores discorda da bandeira de estrangular o orçamento policial e extinguir departamentos de polícia, algo que qualquer frequentador de barbearia poderia ter contado para eles.

Não sei se Lula precisa de popularidade digital. Sei que nós precisamos, e muito, de ideias novas.

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