Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Americanos podem descobrir uma república de bananas no espelho

Modo do ex-presidente de fazer política também é digno de ser classificado assim

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O clichê "república de bananas" é usado por americanos educados sem o menor senso de ironia. E não foi diferente no frenesi de revelações sobre a batida do FBI na casa de Donald Trump em Mar-a-Lago, na segunda (8).

Assim que os agentes saíram, Eric Trump foi à Fox News dizer que as buscas na casa do pai eram típicas de uma república de bananas. O filho 03 de Trump, alvo favorito de comediantes, demonstra uma afinidade, digamos, intelectual com um outro terceiro rebento presidencial.

Carro da polícia é visto no portão da residência de Donald Trump em Mar-a-Lago, durante operação de busca do FBI, no último dia 8 - Giorgio Viera/AFP

O governador da Flórida, Ron DeSantis, que devia estar comemorando, porque quer se eleger presidente em 2024, fingiu revolta e bateu na tecla da bananização do país.

E o jornalista Derek Graham, da revista The Atlantic, celebrou as buscas do FBI como um sinal de que seu país não é uma república de bananas, uma prova de que todos são iguais perante a lei.

Peço licença para discordar, como cidadã do país que exportou Carmen Miranda. Se qualquer um de nós "iguais" furtasse mais de 20 caixas com documentos sigilosos e objetos que pertencem ao governo federal, numa possível violação de segurança nacional, qual a chance de o FBI esperar um ano e esgotar todos as negociações com advogados até pedir a um juiz para autorizar a busca do conteúdo afanado?

Remover ou esconder propriedade pública federal é crime. Donald Trump comete crimes há meio século, treinado pelo pai, Fred, que começou transferindo milhões para o filho usando empresas laranjas e recibos falsos para burlar o fisco.

O empresário imobiliário sempre tratou Nova York como sua republiqueta subdesenvolvida, enquanto se beneficiava de uma infraestrutura e um sistema de Justiça de primeiro mundo.

Ele construiu a Trump Tower com apoio da máfia italiana, que trazia trabalhadores estrangeiros sem documentos para o canteiro. Vendeu apartamentos do prédio em dinheiro vivo para membros do crime organizado da antiga União Soviética. Contratou um notório traficante de cocaína para operar os helicópteros que levavam jogadores milionários a seus cassinos em Nova Jersey, numa sinergia entre transporte e fornecimento de substâncias.

Quando políticos e jornalistas falam em repúblicas de bananas para demonstrar indignação esquecem que o clichê é resultado direto do neocolonialismo americano na América Latina a partir do século 19.

Um pouco de contexto: o termo república de bananas foi cunhado no romance "Repolhos e Reis" pelo escritor americano O. Henry, em 1904. O conto se passa em Honduras, disfarçada na trama sob o nome Anchuria. Honduras se tornou o maior exportador mundial de bananas há cem anos e era tratada como um mero quintal controlado pelas corporações bananeiras americanas United Fruit e Standard Fruit.

Mesmo antes da fundação da CIA, no final da Segunda Guerra, os EUA plantavam agentes do FBI em países do Caribe e da América Central para dar apoio a ditadores militares.

A Presidência Trump foi uma extensão da criminalidade que o empresário gângster trouxe de Nova York, mas com consequências muito mais graves para o planeta. Os EUA podem não ter virado uma ditadura bananeira, o que é o evidente projeto de país do Partido Republicano.

Mas a reação à batida federal em Mar-a-Lago, tanto da direita hipócrita como de liberais posando de preocupados com o potencial abuso do Executivo, sugere que os críticos não se olham no espelho.

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