Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Julgamento da Fox News nos EUA vai testar a impunidade da desinformação

Há certa satisfação em ver humilhação pública de malfeitores acusados de disseminar mentiras sobre derrota de Trump

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Se houver uma corrida para comprar pipoca de micro-ondas na Austrália, no Reino Unido e nos EUA nos próximos dias, há uma explicação plausível —e não é a transmissão de um campeonato esportivo.

Trata-se dos três países mais afetados pela mídia de um inimigo público comum, e a possibilidade de Rupert Murdoch ser forçado a depor num tribunal de Delaware –o estado de Joe Biden!– provoca uma crescente onda de schadenfreude intercontinental.

Os advogados do empresário de comunicação de 92 anos tentaram convencer o juiz num processo de difamação contra a Fox News de que ele estava "enfermo" demais para enfrentar um júri. E ouviram do juiz Eric Davis a resposta "não me façam parecer idiota", notando que Murdoch tinha acabado de anunciar a intenção de se casar pela quinta vez, decisão rapidamente revertida quando emergiram sinais de que a biruta noiva em questão era "Damares Alves" demais até para o dinossauro australiano.

Anúncio da Fox News na sede da empresa em Nova York, nos EUA - Timothy A. Clary - 9.mar.23/AFP

É muito difícil condenar uma empresa de comunicação nos EUA por difamação. A importância do julgamento marcado para começar na próxima segunda-feira (17), em Wilmington, explica-se por testar um caso histórico, dos anos 1960, que consolidou a jurisprudência sobre as proteções à liberdade de expressão garantidas pela Primeira Emenda da Constituição americana.

A ação de US$ 1,6 bilhão movida pela Dominion Voting Systems, de urnas eletrônicas, acusa a Fox News de Murdoch de propagar maliciosamente informações falsas sobre a integridade da eleição presidencial de 2020 que impuseram prejuízos à empresa. No caso de 1964, o New York Times foi absolvido de culpa pela Suprema Corte por imprimir um anúncio que continha alegações incorretas sobre a racista polícia do Alabama, no auge da luta pelos direitos civis no Sul.

O juiz de Delaware impôs algumas derrotas à Fox na fase pré-julgamento: decidiu que Rupert e seu herdeiro Lachlan Murdoch podem ser forçados a testemunhar, junto com a corja de âncoras que ajudaram a agitar o culto trumpista durante a campanha de desinformação eleitoral que culminou na invasão do Capitólio. Mas o juiz não vai deixar a tentativa de golpe ser mencionada pela acusação.

Pelas intimações judiciais que resultaram na coleta de documentos corporativos, emails e mensagens de celular, fica abundantemente claro que a Fox News mentiu no ar com o único propósito de não perder a audiência de espectadores radicalizados com a derrota real de Donald Trump.

A satisfação com a possibilidade de punição de criminosos na esfera pública é inegável. Não acredito no papo de quem "não tem prazer" com a ideia de monstros como Jair Bolsonaro ou Vladimir Putin enfrentarem o rigor da Justiça enquanto ainda têm batimento cardíaco.

Salvo um improvável acordo extrajudicial de última hora, tudo indica que, a partir de segunda-feira, uma transmissão em áudio do tribunal de Wilmington –câmeras não serão admitidas– vai oferecer um desfile infame de milionários e bilionários que conspiraram para a mais danosa e lucrativa campanha de erosão democrática do último meio século.

Sim, as chances de vitória para o lado justo da história são pequenas. Mas o fato de que o elenco de poderosos malfeitores vai enfrentar alguma forma de humilhação em praça pública não é desprezível.

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