É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.
'American Crime Story', série sobre O.J. Simpson, coloca plateia em dilema
Quem tem memória dos anos 1990 (televisiva, é bom dizer) deve se lembrar da perseguição à camionete de O.J. Simpson, o Ford Bronco branco se movendo vagarosamente por uma estrada de Los Angeles, a polícia atrás, com dificuldade de vencer o trânsito, e os helicópteros de TV em cima, mostrando em tempo real a fuga do ex-jogador e então ídolo do futebol americano.
A imagem que tomou as TVs americanas durante a exibição de um clássico de futebol se tornaria icônica, um exemplo da obsessão americana por notícias policiais (o país tem canais especializados em julgamentos) e pela cultura de celebridade, agora reunidas.
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John Travolta como o advogado Robert Shapiro em "American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson" |
Simpson era suspeito de matar a ex-mulher, Nicole Brown Simpson, e um homem que estava com ela, Ronald Goldman, a facadas. Ele era negro, era rico, era admirado. O ano era 1994 e três anos antes Los Angeles fora palco de um dos mais graves confrontos raciais daquele último quarto de século, o espancamento do motorista negro Rodney King por policiais, registrado em vídeo.
A ferida ainda estava escancarada quando Simpson foi preso, algemado e teve a cara estampada em revistas de circulação nacional antes da conclusão do julgamento (a "Time" seria criticada por escurecer a pele do esportista, criando uma falsa imagem sinistra do até então simpático jogador).
Mas Simpson foi absolvido, e o julgamento visto por mais de cem milhões (na estimativa das redes de TV que o transmitiram) criou mais um cisma entre brancos e negros. Ele foi poupado por ser famoso? Ele seria condenado por ser negro?
É essa a história que pretende contar a primeira temporada de "American Crime Story: O Povo contra O.J. Simpson", que estreou no Brasil na última quinta (4) pelo canal FX e tem por trás o produtor Ryan Murphy, o mesmo de "American Horror Story". O formato também é de "antologia" -temporadas independentes- e os elencos têm intersecções, como a ótima Sarah Paulson, aqui na pele da ambiciosa promotora Marcia Clark.
O primeiro episódio deu mostras de que a mão ágil e inventiva de Murphy casa com a história, em geral conduzida de forma mais sóbria que suas outras séries, "Glee" e "Scream Queens". Ainda que haja um e outro momento de licença poética (uma cena de tentativa de suicídio, um diálogo entre amigas-peruas da vítima), não dá para fazer graça nem música com o caso.
Quem interpreta o esportista na série é o sempre competente Cuba Gooding Jr. (de "Jerry McGuire"), e seus dois advogados-estrelas ficam a cargo de um embotocado John Travolta, na pele esticada de Robert Shapiro, e David Schwimmer, o eterno Ross de "Friends", como Robert Kardashian (o pai das moças que fariam sucesso com um reality show).
Assistir exige cinismo, um prazer culpado por se celebrar a obsessão norte-americana por crimes. Mas, como o crime real, a série exerce um poder de atração inconteste sobre nossa porção mais torpe.
"American Crime Story" passa no FX às 22h30
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