É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.
Thriller de espionagem 'The Night Manager' revitaliza John le Carré
Parecia haver pouco espaço no incrível novo mundo das séries para um thriller de espionagem à moda antiga -sem hackers, sem malabarismos com a câmera, sem contagem regressiva nem trilha frenética, apenas aquela velha conspiração envolvendo um vilão inequívoco e um incauto disposto a fazer o bem.
"The Night Manager", minissérie do canal AMC em seis episódios que revisita a obra homônima de John le Carré e agora é vendida no iTunes, lembra-nos que velhas receitas servem excelentes pratos se executadas hábil e caprichosamente.
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Os atores Tom Hiddleston (como Pine) e Hugh Laurie (como Roper) em cena de "The Night Manager", série do canal pago AMC |
Lançado em 1993, o livro do britânico Le Carré carecia de alguma atualização. Como crises internacionais no mundo árabe não faltam, o estopim da trama foi facilmente transposto da primeira Guerra do Golfo (1991) para a Primavera Árabe (2011), a onda de revoltas na região que culminou na queda do ditador egípcio Hosni Mubarak.
Um personagem central do livro, o chefe de espionagem britânico Burr, na minissérie é mulher -composta com sobriedade pela ótima Olivia Colman (a filha de Margaret Thatcher em "A Dama de Ferro"). Le Carré, em carta divulgada para a promoção da série, aplaudiu a mudança e disse que gostaria de ter imaginado a personagem já assim (e grávida, tal qual a adorável protagonista do clássico "Fargo" ).
De resto, é o enredo original, com as melhores notas de James Bond e personagens bem mais densos e/ou contritos, como é a praxe do escritor (ver "O Jardineiro Fiel" e "O Espião que Sabia Demais"). Tom Hiddleston como o herói titubeante Jonathan Pine e Hugh Laurie (o "House", no sotaque original) como o vil Richard Roper são ases na missão.
A trama traz um homem que enriqueceu vendendo armas ilegalmente e alimenta o estoque de ditadores e do crime organizado sem maior obstáculo; um gerente de hotel do turno da noite (o que dá título ao thriller) com passado de soldado descobre parte dos planos e, reviravoltas cá e lá, tenta impedi-lo.
O terceiro vértice é a agente do MI6, o serviço de espionagem britânico (ao qual, aliás, Le Carré serviu quando ainda se chamava David Cornwell e que permeia sua obra).
Como o tráfico de armas é provavelmente o problema mais perene da geopolítica global, o enredo, com os pequenos deslocamentos, segue instigante, e o maniqueísmo de Guerra Fria característico do autor torna-se verossímil em uma época de heróis e bandidos mais difusos.
Segundo Le Carré, as revoltas no Oriente Médio, recém-ocorridas, ofereciam um cenário mais inédito do que a guerra às drogas do original ("filmes intermináveis já a retrataram", escreveu). Funciona.
A mão firme da diretora dinamarquesa Susanne Bier ("Brothers"), ex-integrante do movimento Dogma 95, mais um orçamento gordo arrematam a produção muito acima da média. Pena que o AMC, que exibiu a série em fevereiro e março, só esteja na operadora Sky.
Os seis episódios de "The Night Manager", do AMC, são vendidos no iTunes, da Apple
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