É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.
Criador da "Playboy" vira herói genial em série da Amazon
Sem alarde, a Amazon jogou neste mês em seu serviço de vídeo por assinatura, o Prime, a série documental "American Playboy", que acompanha a trajetória de Hugh Hefner, criador da revista "Playboy" e de tudo que dela se desdobrou.
Seria inútil consumir esta resenha com críticas à objetificação feminina promovida pela revista (não se carece dizer que a água é molhada).
Elayne Lodge-31.dez.12/Reuters | ||
Hugh Hefner e a mulher Crystal Harris em seu casamento, na mansão do playboy na Califórnia, na véspera de ano novo em 2012 |
Superado esse percalço, trata-se de um relato bem-vindo sobre o auge de uma indústria em erosão, a das revistas masculinas, e sobre uma época conturbada da sociedade e da política americana, os anos 60 e 70. É, ainda, um material interessantíssimo para quem se interessa por narrativas de construção de imagem ou por histórias singulares.
Quem vê a figura de Hefner hoje, aos 91 anos e cercado por suas "coelhinhas", pode se fixar na imagem do bon-vivant compulsivo por sexo. "American Playboy" não omite esse lado, mas se concentra na genialidade do homem nos negócios.
A "Playboy" surgiu em dezembro de 1953 como a revista que Hefner criou para ele mesmo. O jornalista não inventou a revista de mulher pelada, claro, mas foi o primeiro a mistura o apelo das fotografias de nu a reportagens sobre estilo, comportamento, turismo e atualidades.
Com o verniz de sofisticação —e Marilyn Monroe em seu ápice na capa, graças a uma foto cujos direitos de publicação ele comprara de um desavisado por US$ 600 (hoje, US$ 5.400, ou R$ 17 mil)— a publicação conquistou rapidamente um enorme público masculino desatendido.
Na época, esse segmento encontrava revistas sobre caça e pesca (ou, apenas, com fotos eróticas e mais nada). A "Esquire", única outra publicação similar, decaía.
Em menos de uma década, a revista nascida do incômodo de Hefner virou um império, com clubes noturnos, programa na TV e toda sorte de merchandising, além de uma marca fortíssima que nem a crise no mercado editorial conseguiu apagar da memória do público.
Produzida com apoio do braço audiovisual da Playboy, a série é elogiosa ao fundador da marca. Mais do que isso, incomoda um certo conservadorismo com que justifica as ações do personagem -a aversão dele à monogamia, por exemplo, viria de uma traição confessada pela primeira mulher; a dificuldade em manter um relacionamento, da distância emocional de seus pais.
Como registro de época, porém, "American Playboy" ganha pontos.
A revista cresceu em um momento em que os americanos começavam a se libertar de seus tabus sexuais, com o lançamento do primeiro relatório de Alfred Kinsey sobre o comportamento sexual masculino. Hefner captou o fascínio do público pelo tema e ergueu seu reino.
As mais de 17 mil horas de entrevistas e cinco décadas de imagens editadas em dez episódios que misturam cenas dramatizadas também mostram o ativismo de Hefner contra a segregação racial e sua contribuição à ascensão de artistas como Aretha Franklin e Ray Charles.
Todos os episódios de "American Playboy" estão disponíveis no Prime Video da Amazon
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