Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho
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"Here  and  Now" instiga reflexão sobre neuroses familiares

Drama do autor de "True Blood" e "A Sete Palmos" na HBO é casa de espelhos para a elite progressista

O ator Tim Robbins aparece vestido de preto olhando pessoas em uma sala de estar diante de uma escadaria
O ator Tim Robbins como o filósofo Greg no drama "Here and Now", da HBO - Divulgação/HBO

É difícil assistir a "Here and Now" (aqui e agora), um drama familiar com Tim Robbins e Holly Hunter que a HBO estreou no domingo de Carnaval e se sai mais perspicaz do que a média do subgênero. Como é de hábito com o roteirista Alan Ball ("A Sete Palmos" e "True Blood"), personagens quase inverossímeis são usados para expor uma caricatura eficaz de nossas neuroses banais.

É ridículo, e isso dói.

Corriqueira à primeira vista, a trama lança mão de elementos muito em voga na TV de hoje em voltagem máxima para criticar o próprio uso que se faz deles.

Estão ali, por exemplo, os personagens multiétnicos interagindo —exceto que aqui eles são todos os filhos adotivos de um casal branco progressista intelectualizado e, vindos todos de "países que os EUA sacanearam", na definição de um personagem (Vietnã, Libéria, Colômbia), enfatizam a culpa colonizadora em relação às minorias.

Em vez de um panfleto com lições de moral e civismo, "Here and Now" navega em um registro mais leve, graça alcançada pelas interpretações sublimes de Robbins e Hunter, dois atores premiados com o Oscar (ela com "O Piano", em 1994, ele com "Sobre Meninos e Lobos", em 2004) que andam subexpostos.

Ele —ironicamente, um ativista desde sempre na vida real— é Greg, professor de filosofia que chega aos 60 anos com a certeza única de que a humanidade fracassou, mas sem ânimo de contestá-la; ela é Audrey, ex-terapeuta que tem todas as certezas possíveis, contanto que as condições de pressão e temperatura estejam sempre sob seu controle.

Juntos, adotaram Ramon (Daniel Zovatto), Ashley (Jerrika Hinton) e Duc (Raymond Lee) e, por último, tiveram Audrey (Sosie Bacon). Se os três mais velhos desenvolveram uma couraça cínica salvadora, a caçula vive em uma bolha inocente-infantiloide onde a expectativa é um teste genético para ver se há algo mais interessante em sua genética do que o padrão "wasp" herdado dos pais.

Não que os irmãos, por não terem herdado o sangue, não tenham herdado as neuroses dos Boatwright-Bayer (sim, há algo propositalmente ridículo e pedante nos nomes). Em dado momento, um dos filhos começa a ter alucinações, e cogita-se se ele não teria herdado, por acaso, a esquizofrenia do tio adotivo.

O casal de intelectuais não tinha, até então, grandes problemas. Mas problematizava tudo —um mal moderno que assusta mais do que toda a tecnologia corrupta explorada em "Black Mirror" e assemelhados.

A família de protagonistas tem lados obscuros, mas não vive do drama de um "This is Us", nem luta para manter-se minimamente estruturada como a de "Transparent", nem aponta o dedo para o americano médio como a de "Modern Family".

São o enclausuramento de cada um dos personagens na autobsessão comum hoje, seu senso de superioridade, suas respostas prontas que não passam de fachada e a dificuldade em transitar pela vida sem caçar percalços em si e nos outros que funcionam, na série, como um espelho muito mais escuro desse naco esclarecido da sociedade quando se vê com problemas reais.

O drama ainda tem seis episódios pela frente; a ver se a alegoria de Ball sustenta a nota dez até o fim.

"Here and Now" é exibida aos domingos, 23h, pela HBO e está disponível para streaming na HBO Go.

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