Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Angústia move nova 'Seven Seconds'

Protagonizado por duas mulheres, drama é policial de primeira linha

Regina King e Clare-Hope Ashitey em cena da série "Seven Seconds"
Regina King (à esq.) e Clare-Hope Ashitey em ‘Seven Seconds’ (Netflix) - Divulgação

É rara a série ou filme que toque no nervo do racismo, especialmente quando este é praticado por policiais, sem se tornar um panfleto, uma defesa ou perder o tom crítico, dissociando-se da realidade. Mais incomum ainda é ver tema de tamanha força costurado à trama sem lhe roubar o ritmo narrativo. Com destreza, a nova "Seven Seconds", da Netflix, consegue ambas as coisas.

Por trás da história da mãe que perde o filho, tema perene, está a produtora e roteirista canadense Veena Sud, que já chamara a atenção com a ótima "The Killing" (2011-14).

O drama é protagonizado por duas mulheres: Latrice (a fantástica Regina King, de "Ray"), a mãe, e uma promotora-assistente, KJ (a britânica Clare-Hope Ashitey).

Elas se encontram quando o único filho de Latrice, Brenton, é atropelado acidentalmente pelo policial novato Pete (Beau Knapp), e o chefe da patrulha, DiAngelo (David Lyons), estimula a fuga, alegando que o adolescente está morto e que o calouro será punido por todos os assassinatos de garotos negros por policiais brancos recentes nos EUA.

Mas Brenton está vivo e passa 12 horas agonizando na neve até ser encontrado e levado ao hospital. Se tivesse recebido ajuda imediata, suas chances seriam bem maiores.

A série, em dez episódios, acompanha o drama da mãe para lidar com a perda e encontrar o culpado; o da promotora, para superar suas próprias limitações e levar a investigação adiante, e o dos policiais (são quatro na patrulha fatídica) para ocultar o crime, lidando, cada um, com diferentes graus de culpa.

Há apenas uma testemunha, Nadine (Nadia Alexander, a irmã frágil de "The Sinner"), uma adolescente que fugiu de casa para sustentar sua dependência química e que mostra o mesmo caráter evasivo visto em personagens de "The Killing".

O estilo sóbrio de Sud, de emoções contidas em paragens frias, é reconhecível e casa bem com os temas policiais que ela prefere, sobretudo sendo a carga emocional tamanha. Combinadas, a alta voltagem sentimental e a sisudez da narrativa surpreendem e angustiam.

Seus personagens têm nuances e demônios instigantes: não se sabe se o garoto Brenton pertencia à mesma gangue de traficantes para a qual trabalhou seu tio, Seth (Zackary Momoh); os policiais, embora algozes, não são vilões caricatos movidos pela maldade pura, e lidam com suas próprias desgraças.

E a testemunha-chave é frágil e também mesquinha; o pai do morto, Isahia (Russell Hornsby), é um homem que usa a religião e o trabalho para se blindar da família; a promotora é alcoólatra pusilânime, o policial que a ajuda, Fish (Michael Mosley, o pastor de "Ozark"), é um sujeito inepto de boas intenções.

Fazia tempo que uma série não reunia um cardápio tão primoroso de personagens —e entregava todos eles a atores competentes.

A tensão racial é palpável e tratada como problema central, sem condescendência de nenhum tipo. Além de um reflexo revelador de nossos tempos, "Seven Seconds" é um policial de primeira linha.

“Seven Seconds” está disponível na Netflix

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