Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

'Dietland' usa protagonista gorda para escancarar solidão moderna

Inspirada em livro de 2015, comédia ácida fica entre 'Sex and the City' e 'Handmaids Tale'

A atriz Julianna Margulies na série Dietland (2018)
Julianna Marguiles (‘The Good Wife’) interpreta editora-chefe de revista de moda na série ‘Dietland’, da AMC - Divulgação

Talvez o prazer mais genuíno de quem assiste séries de TV compulsivamente seja achar algo maravilhoso que não seja precedido por uma intensa campanha de marketing, e que consiga emergir original e fresco da interminável lista "a assistir". Atente, pois, para essa pequena maravilha não passar despercebida: "Dietland", da AMC, que estreia em julho no Brasil pela Amazon Video.

Na sinopse, está uma série de vocação feminista com ambição de apelo universal, nicho devidamente capturado pelo mercado de produção em tempos de #MeToo e denúncias de abuso psicológico, afetivo, sexual.

Mas a dramédia escrita por Marti Noxon ("Buffy, a Caça-Vampiros", "Girlfriend's Guide to Divorce") com base no livro de 2015 de Sarai Walker opta por um caminho menos batido, o do humor cáustico, com umas doses de absurdo que permitiram à crítica americana descrevê-lo como "fantasia de vingança".

A protagonista Plum Kettle navega, assim, entre a distopia impiedosa de "Handmaid's Tale" (2017-) e o empoderamento purpurinado de "Sex and the City" (1998-2004), com diálogos cortantes que poderiam vir de Tina Fey em seus melhores momentos de realismo hiperbólico e provocador.

Como as duas séries seminais, "Dietland" é estruturada pela narração em off da personagem central.

A atriz Joy Nash, de vestido roxo, posa como a personagem Plum em um cenário de paredes azuis e fundo vermelho, encarando a câmera
Joy Nash como Alicia "Plum" Kettle em 'Dietland', nova série do AMC/Amazon Video - AMC/Divulgação

Plum, apelido de Alicia, é uma mulher gorda —morbidamente obesa, segundo seu médico e a monitora de seu programa de emagrecimento ("plum" em inglês significa ameixa).

Interpretá-la cabe a Joy Nash (de "Mindy's Project"), responsável pela empatia imediata do espectador independentemente de peso, gênero ou idade. O medo do não-pertencimento, afinal, é um sentimento poderoso a nos unir em neuroses diversas, e é dele que "Dietland" se nutre.

Envergonhada de seu corpo, Plum trabalha em uma revista de moda respondendo as cartas de leitoras com dúvidas existenciais à editora-chefe, Kitty, com a qual a ultrapremiada Julianna Marguiles, a (também) Alicia de "The Good Wife", exibe sua insuspeita veia cômica.

Entre dietas mirabolantes, gurus, tentativas de agradar a chefe insensível e um instinto de autodepreciação que afasta interessados em amizade ou romance, Plum se mete numa organização radical feminista disposta a matar para fazer avançar sua causa —o que soma um elemento detetivesco ao roteiro e uma crítica perspicaz aos extremos de uma briga justa.

Por vezes, "Dietland" pode parecer uma ópera bufa, mas sua personagem principal indisfarçavelmente gorda e sua jornada redentora sem destino certo logo a resgatam para o nexo com nosso tempo, lançando dúvidas ora engraçadas ora deprimentes sobre autoimagem, aceitação, livre-arbítrio e, óbvio, o papel das mulheres.

Há, também, sacadas geniais ao usar teatro, música e cartoons para compor uma crítica ácida, dando um ar fresco à forma de contar essa história. Sim, pois a conhecemos bem. E não foi na TV que a vimos.

“Dietland”, da AMC, estreia no Brasil em julho na Amazon Video

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