Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

Acusada de 'pornô da tortura', 'The Handmaid's Tale' é urgente e incômoda

Julgá-la por seus calculados excessos é desprezar seu impacto cultural, profilático e iconográfico

Feministas protestam na Filadélfia usando figurino de 'The Handmaid's Tale' - José F. Moreno - 23.jul.18/Associated Press

Há uma cena no início da segunda temporada de "The Handmaid's Tale" em que a tia Lydia (a soberba Ann Dowd) queima a mão de uma das aias na chama de um fogão para puni-la. Assistir é excruciante.

Por causa de sequências assim, a série distópica inspirada no livro homônimo publicado em 1985 pela canadense Margaret Atwood foi acusada não poucas vezes, nesta segunda etapa, de explorar um registro pornográfico da dor.

Muita gente abandonou os episódios, como se a ritualização de uma rotina de estupros que conduz a trama no livro e na temporada de estreia não fosse já chocante.

É um erro (a não ser, claro, para quem detestou a série desde o início, mas esses não chegam à nova temporada).

Julgar "Handmaid's Tale" por seus calculados excessos é desprezar seu impacto cultural, profilático e iconográfico.

Cultural por abordar a nova ascensão do feminismo; profilático por, como Atwood tem deixado claro em entrevistas, chamar a atenção para a desgraça da disseminação de informações manipuladas; iconográfico porque as capas vermelhas das aias, que marcam sua sina de incubadoras ambulantes, viraram farda no movimento pelo direito ao aborto no mundo.

Quando Atwood imaginou Gilead, a sinistra teocracia que ocupa o lugar dos EUA como conhecemos hoje, os tempos eram outros, ainda que ela soe premonitória. Era preciso atualizar o enredo para a era de Trumps, Bolsonaros e MeToo (a onda de denúncias de agressões sexuais praticadas por poderosos nos EUA).

Era preciso, também, balizar esses alertas ante nossas pregações modernas, que se dão nas redes sociais e queimam bruxas com voracidade, ignorância e hipocrisia —está aí o caso da atriz Asia Argento, uma vítima agora acusada de explorar sexualmente um menor e pagar por seu silêncio.

Nisso, o conto de terror que se desenrola em "Handmaid's Tale" é eficaz e necessário. Feminista na essência, a série consegue extrapolar os libelos para abordar todo tipo de fanatismo, talvez o zeitgeist neste quarto de século.

A segunda temporada encontra June (a sublime Elisabeth Moss) envolvida na resistência em Gilead. Disposta a resgatar a filha Hannah, levada pelos fanáticos, envolvida com o motorista Nick (Max Minghella) e ouvida pelas demais aias, ela continua a conduzir o enredo.

É sua antagonista Serena Joy (Yvonne Strahovski), contudo, a melhor personagem desta leva de mais 13 episódios.

A mão dupla da transformação da mulher do comandante —uma em flashbacks, outra no tempo atual— dá força à trama e instiga a pensar.

Em segundo plano, a personagem Eden (a etérea Sydney Sweeney) e sua história se mostram cruciais para chacoalhar nossas crenças ocas em primeiras impressões, aparências e pensamentos de manada.

Há falhas, como a tediosa digressão para as colônias e o desfecho incoerente com June, gancho para nova temporada. São perdoáveis diante da importância e da proficiência de "The Handmaid's Tale" em descrever nosso tempo.

A segunda temporada de "The Handmaid's Tale - O Conto da Aia" estreia no Paramount Channel dia 2, 21h

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