Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

'Pais de Primeira', sitcom na Globo, captura tragicomédia da paternidade

Série ganha graça porque é real e privilegia o naturalismo em vez das piadas caricaturescas

Só bruxaria explica o que passa com a memória de pais e mães para que, tão poucos anos após a chegada do rebento, nela perdure apenas o que é doce e feliz —e talvez um e outro episódio terrível porém pitoresco que anime a roda em uma das 207 festinhas infantis que você passa a frequentar.

Todo drama cotidiano, todo desespero absoluto com coisas comezinhas, os fracassos, as dores, a solidão do ‘não é possível que isso só aconteça comigo’, esses esvaecem.

É no resgaste desse limbo de desgosto —e de seu estado alterno, o encantamento— que está a força cômica de “Pais de Primeira”, série de Antonio Prata que estreia neste domingo (25) na Globo e cujo piloto está na Globoplay (serão mais cinco episódios de meia hora nas próximas semanas e 14 na segunda temporada, já em produção).

Com a chegada de Olivia e Daniel, a paternidade tomou muito dos últimos cinco anos de Prata, inclusive das crônicas nesta Folha, e parecia inevitável ela inspirar seu primeiro projeto como showrunner (vá lá, autor principal, já que a ideia de "dono da série" não se aplica tão bem ao Brasil. 

Junto do amigo e corroteirista Chico Mattoso (ele também pai de dois), o escritor criou Taís e Pedro, um casal de 30 e algo que, após alguns anos vivendo juntos, se veem grávidos no momento em que faziam planos opostos (ela, subir na carreira; ele, largar o emprego e viver de música).

O que se desdobra daí, os dois às voltas com uma recém-nascida, é imediatamente familiar a quem já tentou educar um pequeno humano, e poderia descambar para o clichê.

Mas isso não acontece, graças ao empenho dos roteiristas com os diálogos (o time conta, além dos dois, com Thiago Dottori, Bruna Paixão e Tati Bernardi, também colunista da Folha e mãe recente).

“Pais de Primeira” é engraçada porque é real, porque aqueles que a escrevem privilegiaram esse naturalismo em detrimento das piadas caricaturescas que recheiam a maioria das comédias brasileiras (tanto é assim que há muito mais séries dramáticas bem sucedidas por aqui do que cômicas, e nesta seara vamos bem quase que só nas de esquetes). 

A feliz escolha dos protagonistas possibilita que esse roteiro decole. A doçura desajeitada do Pedro de George Sauma (“Toma Lá, Dá Cá”) e o timing mordaz da Taís de Renata Gaspar (de “Tá no Ar”) —cuja envergadura dramática é um colosso— faz deles um poço de empatia, relacionáveis e interessantes. 

Uma pena que parte dos coadjuvantes, mesmo os mais experientes, ainda opere no registro dos surrados humorísticos de claque da TV aberta, o que causa ruído nas cenas que vão além do par central e dos veteranos Marisa Orth e Daniel Dantas, que fazem os pais de Pedro.

Essa graça melancólica, esse humor ora doído ora empático, são um traço comum na escrita de Prata e também a marca de um de seus humoristas preferidos, o americano Louis C.K., talvez o mais sublime cronista dos EUA hoje. 

Jerry Seinfeld, outros dos preferidos, diz que a coisa mais importante na arte é a proporção. O timing, o quanto arriscar, até onde ir. A julgar pelo piloto, “Pais de Primeira” acerta a mão.

“Pais de Primeira” estreia na Globo neste domingo (25), às 13h53

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