Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Ótima e sem firulas, 'Criminal', na Netflix, põe o público para pensar

Tudo se passa em três lugares: uma sala de interrogatório da polícia, o hall da delegacia e a imaginação do público

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Há algo tão óbvio quanto genial em “Criminal”. Nessa antologia policial que estreou na Netflix no dia 20, firulas de edição, cenário e trama são dispensadas em prol de um roteiro engenhoso, sustentado por diálogos hábeis e atuações vigorosas, que repete em 12 episódios a mesma premissa.

A série é nitidamente teatral, eis uma proeza. Está na TV, mas podia ser montada em um palco com dois cenários e seis ou sete personagens. Não há cena externa. Não há conveniências como flashbacks.

Tudo se passa em três lugares: uma sala de interrogatório da polícia (que tem uma sala anexa de monitoramento atrás de um falso espelho); o hall da delegacia (onde há uma escada, grandes janelas, uma máquina de café e outra lanche) e a imaginação do público, que trabalha a milhão conforme os suspeitos são questionados e suas histórias são desveladas.

Se substituir toda a ação por diálogos já é raro hoje, deixar as lacunas para o espectador preencher virou ousadia. Mas como faz falta e hipnotiza!

Há um pequeno truque para chamar a atenção para tanta sobriedade. Os 12 episódios são divididos em quatro tríades, cada um delas passada em um país: Reino Unido, Alemanha, Espanha e França. 

Em todas, o cenário é a mesma delegacia, e o roteiro segue a mesma linha central. Mudam os personagens e, obviamente, os crimes —três deles para cada grupo de investigadores (daí a tríade). Há de se confiar muito no domínio de cena dos atores, no poder narrativo desses diálogos e na conivência do espectador.

Sim, pois, graças a essa lacuna deixada pela edição, quem assiste adentra a história como se fosse mais um dos detetives atrás do falso espelho, imaginando hipóteses e alternando suspeitas de inocência e culpa do interrogado. 

É, de certo modo, como derrubar a “quarta parede”, aquela imaginada entre palco e plateia, mas sem o gesto alegórico de fazê-lo (botar o ator para falar com o público, afinal, aqui seria desnecessário).

A repetição de cenários e dinâmicas —há sempre alguma tensão dentro da própria equipe de investigação, e em todas elas há um membro estranho à rotina do grupo— poderia tornar “Criminal” enfadonha.

Entretanto o efeito é oposto, a provar que bom drama existe só com bom texto e boas atuações; o restante é acessório.

Ao convidar o espectador para pensar no crime cometido, “Criminal” também muda o eixo da narrativa para a interação entre polícia e suspeito, tirando-o do crime em si ou mesmo da investigação, temas de tantas outras séries.

O primeiro episódio do capítulo no Reino Unido (é uma boa ideia começar por ele, embora sejam segmentos que funcionem de forma independente) conta com David Tennant, de “Dr. Who” e “Broadchurch”, como o interrogado, um médico suspeito de matar a enteada adolescente. 

Ator de gestos comedidos e olhar intenso, não haveria escolha mais cativante. Em outros episódios, os suspeitos se multiplicam em idades, carreiras e origens diversas. 

E se o cenário se repete, a língua muda: cada um dos segmentos é falado no idioma do país onde se passa, algo que sublinha a pretensão global da Netflix e que concorrentes como Amazon e HBO não atingiram ainda. Coisa finíssima.

“Criminal” está disponível na Netflix

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