Famílias são pratos fartos para a dramaturgia, mais ainda quando constroem um negócio bem-sucedido.
Tretas abundam, e toda discussão sobre dinheiro é dissecada com atenção psicanalítica. “Sopranos”, “Empire” e “Succession” tratam disso muito bem.
Soma-se agora a essa lista “The Righteous Gemstones”, uma produção menos pretensiosa da HBO que lança um olhar sarcástico sobre uma família de televangelistas.
Atenção, não se trata de fazer piada com a fé de quem quer que seja —embora alguns chistes inocentes com o santo nome tenham passado.
A graça é justamente que os Gemstones do título conduzem seu negócio religioso com o mesmo afinco para torná-lo um sucesso com que os Sopranos geriam sua rede criminosa, os Lyon cuidam de seu selo fonográfico e os Roy de sua rede midiática.
Deus, ali, é também uma marca e um produto, que precisa ganhar novos mercados e ser consumido pelas massas.
Mas o tom adotado pelo autor e ator Danny McBride é menos crítico e mais cômico, até desbragado, e ele prefere tirar suas piadas muito mais das relações tumultuadas da família, e da família com seus detratores, que da fé em si, tratada como algo legítimo porém acessório.
McBride, cuja carreira se deu no gênero besteirol, interpreta na série o primogênito de um casal de televangelistas ou superpastores, Jesse.
A mãe, que tinha uma fé firme e um talento inconteste para pregar o evangelho, morreu em circunstâncias pouco comentadas pelos demais; o pai, Eli (o sempre maravilhoso John Goodman), quer manter e expandir o legado, mas se desmotiva ao saber que só conta com os filhos para isso.
Jesse tem dois irmãos: a recalcada Judy (Edi Patterson), inconformada por ser deixada em segundo plano pela ala masculina da família, e o caçula Kelvin (Adam DeVine, de “Modern Family”), aparentemente um homossexual enrustido fascinado pelo amigo Keefe. Nenhum dos dois, contudo, parece desejoso de manter o legado dos pais.
Os netos de Eli, filhos de Jesse, tampouco se mostram aptos; o mais velho, Gideon (Skyler Gisondo), abandonou a família para ser dublê em Hollywood; de volta ao lar, tem como intuito sabotar o pai.
A história se passa no miolo sul dos Estados Unidos, um lugar bastante religioso e muito peculiar em sua relação com a fé —foi ali que brotaram, por exemplo, as megaigrejas pentencostais de sede única, que atraem a seus cultos dezenas de milhares de fiéis; os televangelistas, que levam a palavra a milhões; e a promíscua relação entre políticos e chefes de igreja evangélicos.
A fé jamais é questionada —a crença dos Gemstones em Deus é inequívoca—, mas isso não é suficiente para inibir a família de enriquecer e se beneficiar da crença de seu rebanho. Tampouco freia seus delitos, pecados e até crimes, desde que os fins sejam nobres —daí o “righteous” do título, algo como “virtuosos”, gente que se acredita sempre certa.
É diversão ligeira, mas em tempos de homens de bem, funciona como expiação.
“The Righteous Gemstones” vai ao ar na HBO, aos domingos, 23h05
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