Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Com a série 'Hunters', Amazon reduz Holocausto a pastiche pornoviolento

Trama tem Al Pacino como líder de caçadores de nazistas nos Estados Unidos de 1977

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Não se haveria de esperar reação cordata a "Hunters", um drama de aventura da Amazon Prime Video que tem Al Pacino como o líder de um bando de caçadores de nazistas nos Estados Unidos de 1977 e que se estende de forma penosa por dez episódios de violência pornográfica.

Há prólogo. Quando Roberto Benigni lançou "A Vida É Bela", em 1999, não foram poucos os que viram problemas em sua fábula agridoce sobre um pai que tenta preservar o filho dos horrores de um campo de concentração nazista.

Al Pacino e Logan Lerman em cena de ‘Hunters’  - Divulgação

Afinal, humor e otimismo não costumam ser a melhor ferramenta para tratar de genocídio —ainda mais um tão recente, de cicatrizes reabertas. Se usados com habilidade e sensibilidade, entretanto, podem ser úteis para alcançar um público menos afeito às lições da história. E foi isso que Benigni fez.

De forma similar, choveram críticas à humanização do genocida Adolf Hitler no brilhante "A Queda!", de Oliver Hirschbiegel, que deu ao mundo em 2004 uma interpretação hipnótica de Bruno Ganz, infelizmente mais conhecida pelos memes com a cena de Hitler se dando conta de que Berlim está cercada.

A lista segue com altos e baixos, do delírio sangrento de Quentin Tarantino em seu "Bastardos Inglórios" (Tarantino abordou com igual risco outro genocídio, a escravização de africanos por europeus em suas terras nas Américas, em "Django Livre") ao mais recente "Jojo Rabbit", em que Taika Waititi recria —e ridiculariza— Hitler como o amigo imaginário de um garotinho.

A sensibilidade e a engenhosidade dessas obras, porém, não dão as caras em "Hunters".

Sem espaço para sutileza e nenhum requinte de roteiro, a violência explícita misturada à direção de arte e de fotografia que emulam os sexies anos 1970 resulta em uma grotesca exploração do sofrimento dos judeus dizimados em campos de concentração.

É difícil entender o que o neófito David Weil, ele mesmo neto de uma sobrevivente, quis fazer. Há uma disposição óbvia em tornar a matança de nazistas algo prazeroso de se assistir, e o próprio Tarantino usou esse recurso em "Bastardos Inglórios".

Mas Tarantino tem domínio de roteiro que Weil não tem, e sua história sobre um jovem judeu nova-iorquino que descobre que a avó pertencia a um bando de justiceiros que busca uma quadrilha nazista nos EUA é, em seus melhores momentos, um conto mal estilizado de gato e rato, cheio de personagens caricatos a representar minorias.

Nos piores, quando se deixa levar pela estetização absoluta e cria novas formas de tortura de judeus ao ambientar sua trama em um episódio histórico que já é cruel e medonho o suficiente, a tentativa de produzir algo "cool" resulta apenas grotesca.

Quase tão preocupante é, em tempos de ódios nacionalistas aguçados e antissemitismo crescente, explorar a ideia de justiça com as próprias mãos, vingança e desumanização do outro, como se tanto nazistas como judeus fossem pecinhas a serem usadas para deleite do espectador.

Desse jeito, não há Al Pacino que salve.

A primeira temporada de "Hunters" está disponível na Amazon Prime Video

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