A essa altura, a evocação do nome do diretor Damien Chazelle, de “La La Land”, traz à cabeça filmes marcados pela música, além de uma carreira de menino-prodígio que, aos 35 anos, reúne um Oscar e outros 77 prêmios na estante, além de outras duas indicações à estatueta da Academia de Cinema de Hollywood.
Não que sejam necessariamente musicais, com cenas de canto e dança —“La La Land”, de 2016, é assim, mas sua obra anterior, “Whiplash: Em Busca da Perfeição”, de 2014, usa a música como campo de batalha para um drama psicológico sobre a relação mentor-pupilo.
Dá para pôr a série “The Eddy”, na qual Chazelle é um dos diretores, no meio do caminho entre esses dois.
No drama, está ali a música como elemento central. É um clube de jazz parisiense cujo dono, o americano Elliot, papel de Andre Holland, se desdobra para manter vivo. Da intersecção da vida do protagonista com o palco de seu clube, extraem-se dramas de meia dúzia de personagens cheios de seus próprios enroscos.
A série não brotou da cabeça de Chazelle, americano de família franco-canadense, filho de acadêmicos, cujo entendimento de música e de filmar o que é fazer música fez dele o mais jovem diretor a ganhar um Oscar. Ele tinha 32 anos e 38 dias quando subiu ao palco do Kodak Theater para recolher seu homenzinho dourado.
Contudo, sua mão no projeto é visível nos episódios conduzidos por ele, com uma câmera frenética que parece ela mesma se mover como uma jam de jazz, cheia de virtuosismo e improviso.
A música é a razão de viver de todos ali, em sentido mais ou menos estrito, e são músicos também fora de cena quase todos os que aparecem tocando com o personagem de Holland (de “Moonlight”). É dela que partem todos os conflitos do enredo, escrito pelo britânico Jack Thorne.
Thorne, menos conhecido, é autor da versão televisiva da fantasia “His Dark Materials”.
Aqui, porém, o universo é bem adulto, com personagens cujas relações transbordam de parâmetros de certo ou errado afetiva, sexual, profissionalmente. São oito episódios, cada um sobre um deles —a filha, a mulher do sócio, a cantora, o funcionário faz-tudo— até o último, centrado no próprio clube, que é, afinal, a essência de Elliot.
“The Eddy” é o tipo de obra em que a forma parece valer mais que a substância; enquanto a primeira é sempre rica, a segunda às vezes se mostra meio esgarçada, com clichês bocós e atuações sem maior compromisso, à exceção de Holland e da hipnótica atriz polonesa Joanna Kulig, que da corpo e voz à cantora Maja.
Conforme os tons soturnos da história se impõem, “The Eddy” se torna mais cativante, ainda que a música sempre se sobreponha. Outro alento é ver Paris filmada como a enorme aglomeração urbana que é, às vezes suja, às vezes cheia, mas sempre viva. É um olhar com o qual se costuma filmar São Paulo, por exemplo, e não aquele de encantamento com a cidade idealizada num grande clichê.
É difícil que alguém que não goste de jazz e sua gama de variações aprecie a série, uma aposta na qual a Netflix não investiu tanta publicidade. Quem gosta, entretanto, tem aqui horas de deleite e abstração de tristezas garantidas.
Os oito episódios de “The Eddy” estão disponíveis na Netflix
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