Das muitas cenas aflitivas de "Bom Dia, Verônica", thriller psicológico sobre uma escrivã de polícia que decide investigar um abusador de mulheres depois de testemunhar o suicídio de uma vítima, as que mais dão medo são as mais triviais.
Sim, a série brasileira, que estreou nesta quinta-feira na Netflix, traz sequências tenebrosas de jovens penduradas em ganchos de açougue por um psicopata, à la "Hannibal"; há fartura de suicídios e assassinatos, além perseguições cheias de tiros. Nenhuma delas pesa tanto quanto as que mostram violência doméstica e abuso psicológico recorrentes.
Dividida em oito capítulos, "Bom Dia, Verônica" é a adaptação do livro homônimo do romancista Raphael Montes, que assina também o roteiro, com a criminóloga e escritora de não ficção Ilana Casoy, lançado pela editora DarkSide no ano passado. Ganhou, na Netflix, direção do ex-Conspiração José Henrique Fonseca ("Mandrake") e um elenco encabeçado por Tainá Müller, Camila Morgado e Eduardo Moscovis.
Müller, a Verônica do título, é filha de policial e trabalha como escrivã na delegacia comandada por seu padrinho —papel de Antonio Grassi, sempre bem ao encarnar personagens cafajestes. É casada, mãe de um casal de pré-adolescentes. Quando vê a vítima de um golpista se matar depois de ter sua história desdenhada pelo delegado, ela revive um trauma familiar e resolve investigar o caso por conta própria.
Aturdida, acaba oferecendo seu telefone em uma entrevista de TV para ouvir mulheres que sofrem abusos. Dessa forma, conhece, além de outras vítimas do "boa-noite, Cinderela" original, Janete (Morgado), que vive em uma realidade escatológica criada pelo marido tenente-coronel da PM, Brandão (Moscovis).
O que torna os psicopatas e sociopatas de Verônica —não só os que ela persegue, como também os que a rodeiam— especialmente assustadores é a constatação de que eles se alimentam da baixa autoestima das mulheres que atacam, seja porque elas pensam não ter o corpo ideal, ou porque acreditam ser aptas a somente um tipo de trabalho, ou porque temem não conseguir viver sem marido.
Ao se enxergarem impotentes, elas se tornam presas para abusadores que, em larga medida, contam com a anuência da sociedade para se comportarem da forma que o fazem.
A série tem lapsos de roteiro, um tanto rocambolesco ao embrulhar num mesmo pacote elementos e clichês típicos de histórias de serial killer a outros problemas muito brasileiros, como corrupção policial, machismo estrutural et cetera. Ainda assim, a potência da história e das atuações dá conta de prender o espectador e o recompensar.
Em seus melhores momentos, como na cena em que uma delegada pouco empática humilha uma vítima do golpista ao culpá-la por ser enganada, "Bom Dia, Verônica" levanta discussões relevantes e extremamente realistas como outra boa produção recente da mesma plataforma, "Inacreditável". Nos piores, dá nos nervos, mas é suficiente para entreter. O saldo não é ruim.
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