Tempos revoltos exigem mais engenhosidade para atualizar roteiros e situações no que antes era expectativa de sucesso fácil: a refilmagem de clássicos. Nesse quesito, os criadores de “Party of Five”, a série sobre cinco irmãos adolescentes obrigados a se virarem após a morte dos pais que fez sucesso na década de 1990, merecem pontos extras.
Exibida no Brasil como “O Quinteto”, a história dos Sallinger —Charlie, os gêmeos Bailey e Julia, Claudia e o bebê Owen— deixou muito adolescente grudado na televisão durante as suas seis temporadas para acompanhar os dramas de se tornar adulto na marra e sem supervisão.
O elenco era um trunfo, com as futuras estrelas Matthew Fox (que dez anos depois seria o Jack de “Lost”), Neve Campbell (a Sidney de “Pânico”), o galãzinho Scott Wolfe e Lacey Chabert (de “Garotas Malvadas”).
Mas a televisão deixou de ser quase exclusivamente branca e majoritariamente otimista como era nos anos 1990, uma década de abundância em que o mundo esteve em grande parte poupado de desgraças como terrorismo, guerras simultâneas intermináveis, ondas populistas, marteladas na democracia e
pandemias com mais de 1 milhão de mortos no mundo.
E, porque estava temporariamente poupado, a TV podia alienar parte de seus roteiros de qualquer carga política.
Para recontar em 2020 a história imaginada por Christopher Keyser e Amy Lippman, portanto, esse
clima restrito a dramas pessoais não colaria. Era preciso que as turbulências do mundo entrassem no turbilhão adolescente dos cinco irmãos. E assim os Sallinger viraram os Acosta: Emílio, Lucia, Beto,
Valentina e o bebê Rafa.
Na nova versão, não é a morte precoce que tira dos cinco irmãos seus pais, mas algo bem característico destes tempos, a deportação.
Javier e Gloria, mexicanos, são repentinamente deportados após 23 anos nos Estados Unidos (“sempre estivemos aqui”, diz Javier ao policial que o aborda; “os tempos mudaram”, responde este, em alusão ao governo de Donald Trump e à sua política de expulsar do país o máximo possível de imigrantes).
Da mesma forma que no original, cabe ao irresponsável primogênito, o único maior de idade entre os irmãos, cuidar dos demais. Com uma novidade: nascido no México e levado aos Estados Unidos quase bebê, ele tem sua permanência amparada pelo Daca, a lei que permitiu que crianças como ele não fossem deportadas e que Donald Trump buscou ferozmente reverter.
A essência de “Party of Five”, rebatizado “Cinco Irmãos” e exibido agora pelo Paramount, segue intacta: é uma série juvenil, novelesca, em que os relacionamentos são o eixo. O elenco (Brandon Larrcuente, Niko Guardado, Emily Tosta e a precoce Elle Paris Legaspi) é afiado, e é possível se deixar embalar.
Tamanha presença de espírito dos autores, contudo, foi insuficiente para evitar o cancelamento após a primeira temporada. Sem Donald Trump no poder, talvez a dureza dos dias de hoje seja mesmo algo para esquecer.
‘Cinco Irmãos’ está disponível no Paramount (via Amazon Video e outros)
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