O gênio do humor Jerry Seinfeld diz que o segredo da arte, qual seja ela, está na proporção: no seu caso, o tempo de uma piada e as linhas que ela cruzará podem definir o que será arte e o que será mediocridade.
É possível transpor a regra a qualquer gênero, e no romance ela será especialmente verdadeira: o tanto de açúcar que se põe em uma história, afinal, pode torná-la sublime ou enfadonha.
"Amor Moderno", a série da Amazon inspirada nos ensaios sobre o amor em seus diferentes registros publicados no jornal The New York Times, volta nesta sexta para uma segunda temporada que paira na fronteira entre essas duas coisas. Se em alguns casos resvala na mediocridade melosa, porém, o desempenho do elenco dá conta de puxá-la de volta para o nível das coisas especiais.
Nos oito episódios desta segunda leva, mantém-se o tom de crônica (algo que não existe, enquanto gênero literário, na língua inglesa, mas que "Amor Moderno" chega muito perto de fazer), mas se abre mão da versão do sentimento que brota em relações outras que não as de casais: pais e filhos, amigos, irmãos, olhos conhecidos.
Os amores em cena também são mais prosaicos e, portanto, mais convidativos ao espectador para espelhar as suas próprias memórias.
Há pais divorciados que reatam entre encontros para atividades escolares; ex traídos que descobrem juntos uma nova possibilidade; um par de hábitos opostos que tenta conjugar uma relação, apesar de tudo; a adolescente descobrindo-se lésbica, com medo de ser rejeitada; rapazes que se trombam na rua e repensam as possibilidades de um segundo encontro que nunca houve; a garota que cresce apaixonada pelo melhor amigo.
Contudo, os melhores episódios ainda são aqueles que trazem sentimentos igualmente comuns, mas situações inusitadas. Em "Strangers in a Train", moça conhece rapaz (Lucy Boynton e Kit Harington, com direito a piadinha de "Game of Thrones") em viagem de trem; eles não ficam juntos, mas combinam de se encontrar e são surpreendidos pelo lockdown. Ainda há uma participação de Miranda Richardson.
Em "On a Serpentine Road, With the Top Down" (numa estrada sinuosa, com a capota arriada), Minnie Driver nutre uma relação de afeto e intimidade com seu carro velho, que, depois, descobrimos ser a forma como ela elaborou o luto do primeiro marido.
Sophie Okonedo e Tobias Menzies também fazem da história de pais separados que reatam uma joia de sutileza, evitando que o drama familiar, contado aqui de forma tão sóbria, descambe para o sentimentalismo fácil.
É isso o que faz "Amor Moderno", aliás: ainda que haja alguma água com açúcar, faltam suspiros e finais felizes. Esse amor de uma perspectiva realista, com suas graças e desgraças, nos possibilita ver pelo olhar de outrem que as histórias de encontros entre pares não carecem de felizes-para-sempre para que produzam coisas bonitas. Quem sabe as nossas também tenham sido assim.
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