Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Descrição de chapéu Maratona Séries

'Kevin Can F. Himself' questiona por que rimos tanto de abuso doméstico

Produção da Amazon com Annie Murphy, de 'Schitt's Creek', traz sitcoms dos anos 1980 e 1990 aos nossos tempos

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É uma aposta e tanto a que faz "Kevin Can F* Himself", produção da Amazon Video que chegou à plataforma neste mês e tem como protagonista Annie Murphy, dona de um Emmy pela Alexis de "Schitt's Creek": trazer uma narrativa ora do ponto de vista das sitcoms dos anos 1980 e 1990, ora como um drama soturno na perspectiva contemporânea.

A parte do público que superar o choque que essa costura causa será contemplada com uma "metassérie" com um questionamento interessantíssimo sobre tudo que andamos vendo —e rindo de— nos últimos anos.

cena de série
Annie Murphy em cena da série 'Kevin Can F**k Himself', disponível no Amazon Prime - Reprodução

O tema central aqui é abuso doméstico. Allison, papel de Murphy, é casada com o Kevin do título, vivido por Eric Petersen, um sujeito que instala TV a cabo e passa boa parte do tempo em joguetes infantiloides com o vizinho, Neil, papel de Alex Bonifer, e o pai, Pete, papel de Brian Howe.

A Allison cabe cuidar da casa, atender às vontades de Kevin, trabalhar em uma loja de bebidas e ser insultada diariamente por Patty, papel de Mary Hollis Inboden, excelente, a irmã de Neil, que evita sua crise existencial matando tempo com o trio abobado.

Essa parte da produção tem as cores estouradas das sitcoms familiares que fizeram sucesso, com risadas gravadas e textos encadeados em punchlines —aquelas piadas curtas—, quase sempre sobre casamento e um suposto status inferior da mulher. É a típica comédia que povoou a TV até bem recentemente.

Allison, entretanto, não é a prototípica mulher de sitcom. Ela tem aspirações maiores, a mediocridade da vida que leva no interior de Massachusetts a aborrece, e a sensação de estar presa a um casamento tenebroso, massacrada pelo ego do marido, a corrói. Ela quer matar Kevin.

Nesses momentos, a fotografia muda, mais sombria, com sutilezas de cenas e diálogos que seriam mortíferas numa sitcom clássica. Há espaço para discutir até a principal crise de saúde dos Estados Unidos, a epidemia de dependência de opioides, que domina parte considerável da população local.

O incômodo causado pela contraposição de cenas tão leves e artificiais —sublinhado pelo fato de Murphy ter recém-saído de uma personagem meiga e destrambelhada para interpretar esta, profundamente infeliz— com aquelas em que se trata de morte, overdose, crise de identidade, adultério e infelicidade sem meias palavras é enorme —e ocorre sem forçar nenhuma barra.

É como se abríssemos uma porta que não havíamos percebido, meio escondida na parede, e dela saíssem bichos estranhos que nunca percebemos estar lá, mas estavam.

Por quanto tempo, afinal, produções de TV nos talharam para enxergar o casamento e as mulheres de uma determinada forma, ou, pior, para que acreditássemos que certos comportamentos abusivos, nocivos, eram aceitáveis ou mesmo desejáveis?

O roteiro de Valerie Armstrong, um afago para quem gosta de história da TV, é do tipo "ame ou odeie", ao mesmo tempo nada trivial e muito familiar. Risos até vêm, às vezes. São de nervoso.

A primeira temporada de "Kevin can F* Himself" está disponível na Amazon Video; a segunda foi encomendada

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