No ano passado, em plena pandemia, os Estados Unidos registraram seu recorde de mortes decorrentes de overdose, 93,3 mil, segundo dados do Centro de Controle de Doenças publicados em julho. Opioides —sobretudo aqueles vendidos em farmácias para tratar a dor— causaram quase 70 mil delas.
É a origem dessa epidemia, uma das mais graves da história americana, que a jornalista Beth Macy retrata em "Dopesick" (Little, Brown & Co., 2018, ainda sem edição em português), agora convertido em minissérie pelo Hulu, que estreia nesta sexta na Star+.
Em oito episódios, o diretor Barry Levinson —que ganhou o Oscar por "Rain Man"— e o roteirista Danny Strong, de"Empire", exploram a dimensão que a ideia da dor ocupou no imaginário moderno e mostram como a centenária Purdue Pharma aliciou médicos, autoridades sanitárias e a opinião pública para vender OxyContin, remédio com alto potencial de dependência, como panaceia.
Não à toa, a nova droga foi introduzida no fim dos anos 1980 na empobrecida Appalachia, região montanhosa que corta os Estados Unidos perto de sua rica costa nordeste, mas é marcada pela exploração de carvão mineral e por uma população com baixo índice de escolaridade. É o que se convencionou chamar na imprensa americana como "América profunda".
Rapidamente o remédio se tornou a droga preferida ali —de donas de casas a mineiros, de jovens a velhos, de traficantes a médicos— para depois se alastrar pelo país, com um rastro de abandono de menores, negligência, tráfico, falência e desagregação.
Dos personagens da minissérie, Rick Mountcastle, um promotor que investiga a obtenção da licença de comercialização pela Purdue após notar um aumento de mortes entre os usuários do remédio, é real. Vivido por Peter Sarsgaard e localizado já neste século, ele conduz o espectador pelos meandros da corrupção e do lobby que tornaram o OxyContin um sucesso.
Do outro lado, está a família Sackler, dona da Purdue, representada principalmente por Richard —vivido por Michael Stuhlberg—, o herdeiro responsável por desenvolver e emplacar o medicamento.
Mas são Michael Keaton e Wil Poulter, respectivamente um médico de uma cidadezinha carvoeira e um representante de vendas da farmacêutica, que rompem o maniqueísmo e mostram, em cores realistas e humanas, a promiscuidade da relação entre farmacêuticas e doutores.
Rosario Dawson, como a promotora que começa a investigar o problema e depois hesita, e Kaitlyn Dever, como uma das primeiras dependentes da droga, completam o elenco altamente premiável.
Poucas obras abordaram a epidemia de opioides —"Kevin Can F* Himself", na Amazon, foi o último a fazê-lo—, e a maioria optou por mostrar as consequências, ou usá-la de pano de fundo, dada a carga dramática que vem a calhar na ficção. "Dopesick" mexe naquilo que por mais de duas décadas os Estados Unidos se recusaram a crer.
"Dopesick" estreia nesta sexta no Star+, com novos episódios a cada semana
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